Agosto leituras e releituras


Demorou um pouco, mas acabei me rendendo ao e-book como leitor. A facilidade nas viagens, a rapidez e disponibilidade dos títulos. A coisa toda envolve questão de espaço físico também, é claro, pq chega uma hora que vc se cansa de tentar achar vaga nas estantes ou administrar a poeira da velha rinite que de vez em quando manda no jogo. Além disso a diferença de preços principalmente para os clássicos hoje é enorme, com larga vantagem pro formato digital. 
 
Outra vantagem em amplo sentido: a contínua atualização de obras técnicas, desde o famigerado e caro vademecum de 3000 folhas que a cada 6 meses perde dezenas de atualizações e tantas vezes vai pro lixo em um ano, os livros de ciências, engenharia, medicina, enfim o infinito de papel poupado nesse aspecto e que hoje pode-se dar ao luxo de reverberar em arte. Literatura, poesia, livros infantis. Dos que teimam em papel, a maioria com tendência a metabolizar em arte. Serão eternos.

A mudança aparentemente tão besta não é tão simples para quem foi acostumado ao formato tradicional. O livro-papel não é apenas mais uma simples mídia ou um frio portador de letras porque seu simbolismo ultrapassa o tempo e a própria história, tem algo de magia tornando-o um objeto estético também, com suas memórias afetivas, sua beleza própria, cor e cheiro, com encarnação de traços quase metafísicos para além da vida que se inicia ao abrirmos o plástico ou embarcando nas histórias pretéritas do livro usado, garimpado no nosso ritual dos sebos mundo afora. As anotações de margens, as dedicatórias, trechos sublinhados ou páginas marcadas, tudo isso é parte de uma outra leitura que não está necessariamente nas programadas linhas.

E não há dúvidas, é justamente por isso que imagino a eternidade do livro-papel, ao contrário do que o pessimismo (e sede de lucros fáceis) do mercado apostava uns anos atrás, independentemente da concorrência digital 

Apesar de, o pior é que estou gostando da novidade .

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Quanto ao chat GPT e associados, ferramentas das quais sou ferrenho defensor como progressão (não gosto da palavra evolução) do que ainda convencionamos por mero capricho chamar de "humanidade", sim esses fragmentos, indefinições e escombros do iluminismo flutuando ao vento até nossa era de horrores, como é que alguém  desde criança com o nariz enfiado nas belíssimas enciclopédias Barsa (iniciante) Mirador(mais universal e sólida), Delta Larousse (os franceses e sua obra de arte legada à posteridade), poderia tergiversar no campo do conhecimento mais universal, gratuito (baixo custo em relação ao potencial do seu uso) e acessível (o uso das diversas linguagens e configurações possíveis) quanto ao popular sentimento de "ame ou odeie?". 

Questão ociosa, é claro, pois "o mundo é real e de viés". Não há falar em "substituição de artistas" , "invalidação da criação, da arte, da literatura" enfim. Pelos deuses, diria, as pessoas precisam aprender a viver fora da opção preto x branco. No que diz respeito à voz individual e presença enquanto subjetividade, singularidade, não há paralelismo com o humano, a não ser que o propósito seja mesmo esse, e repleto de má-fé.

 Mesmo as I.A. sendo essa revolução em andamento que não são em hipótese alguma apenas o curso natural do Google e correlatos, porque generativos são muito mais que isso, é até absurdo imaginar o "não uso" por conta apenas de pré -conceitos (humanos) e naturais limitações (das ferramentas). Trata-se muito mais de aproveitar o poder de síntese, de analogia, de pesquisa rápida e relativamente segura (sob atenção constante do interessado). Como na velha história de Monteiro Lobato, Celine, Dickens serem reconhecidamente grandes talentos literários mas renegados do ponto de vista ético. Um racista, outro anti-semita e o terceiro misógino notório. Como se sabe, I.As não são éticas ou anti-éticas, e professam apenas as ideologias para as quais foram programadas. Riscos embutidos sobre os quais caberá a eterna vigilância como em qualquer ato de criação.

Agregar toda essa potência de análise, agrupamento de informações, busca extensa de referências e troca de idéias (sim, troca de ideias cidadão), é o que há de melhor, e ao contrário dos detratores simplórios, não é nem de longe você conversando com você mesmo, a partir de certo ponto. Há novos caminhos, novas combinações possíveis e o aumento do limiar do que poderia não estar ainda plenamente configurado no campo de visão. Não fosse por isso, também vale acrescentar que, para o que busca apenas pedantismo ou se "colocar" de forma artificial, jamais terá sido necessário se inventar algo movido por I.A, posto que o plágio nosso-de-cada-dia que vemos às vezes tão próximo ali na esquina e a ostentação sabe-la-pra-qual-motivo sempre existiram desde as academias de alunos de hieróglifos do antigo Egito 

Nessa linha, ainda cabe refletir que, se este ou aquele -- falo de indivíduos -- utilizam A.I. para resenha ou resumo de livro que de fato não lê, e isso em se tratando de literatura e não obra técnica (caso em que não vejo qualquer problema), semelhante a alguém que acelera um filme complexo em andamento apenas para gabaritar na agenda cultural como "assistido", apressa uma música no Spotify ou um diálogo importante de whatsapp do que não quer ouvir por inteiro, essa pessoa já morreu e ainda não sabe.

Quanto à "criatividade", palavra tão polêmica e ambígua porque tantas vezes mal utilizada ou superestimada num sistema como o capitalismo que depende da constante apologia do individualismo e reinvenção tecnológica para sobreviver, pode em si ter uma reverberação nociva independente da era que se vive quando levado em conta uma espécie de "zero absoluto" de onde supostamente surgiria o viés do gênio sem levar em consideração todo o peso e leveza de tudo que foi antes produzido pela espécie humana. Nesse sentido, como assentir com o argumento de que a ferramenta vai tolher essa ou aquela criatividade se no contexto ela for usada de boa-fé não para que assuma seu lugar humano no mundo , mas sim como auxiliar capaz de te situar sobre o que há de melhor e mais essencial sobre o que se busca? Ora, falamos de Cultura, é óbvio, e quem faz cultura é o humano e será, independente dos meios para esse fim.

Sigamos com a leitura e os rabiscos. Com e-book ajudando,  é claro, mas sem GPT&cia neste caso. O GPT seguirá com efeito inverso ao que ora se alardeia: eu ainda sendo o guia do barco e ele , A.I.,  o vento a favor me levando por outros universos não explorados e coisas como ciências, Biologia, Astronomia, História Antiga, Receitas de comidas, Suplementos e treinos, dúvidas sobre saúde e medicamentos, síntese de temas pesquisa para desenvolvimentos futuros e mais um punhado de coisas que ainda estou em processo grato, curioso e feliz de descobrir nesse maravilhoso "brinquedo" novo que há um ano mais ou menos vem me reensinando a valorar e acrescentando muito mais de humanidade, do sentido da preciosidade, da raridade , do valor e da singularidade do humano e sua trajetória neste belo planeta que qualquer outra máquina já inventada