The Return



Ok, esperando 2 anos pelo filme pra assistir hoje esse estrago da narrativa de um dos livros mais importantes que li na vida e sem o qual teria sido difícil imaginar uma infância digna do nome.

Polifemo, Circe, Calipso, Cilas e Caribdis, quem viveria sem eles que moldaram o imaginário do Ocidente há 2000 anos? E as sereias?  Uma Odisséia sem sereias é a morte.

E a velha dança dos deuses? Qual a graça de imaginar o mundo grego sem Palas Atena se batendo pra ajudar seu protegido Ulisses sem despertar ciúmes de Zeus, ou Posseidon maltratando-o para agradar Hera?

Tirando o trabalho de atores da dupla Fiennes-Binoche cuja química pela 3a vez no cinema mostrou que funciona ("Morro dos ventos uivantes", "O paciente inglês"), não se aproveita nada do resto. Uma escolha (péssima) do diretor apenas pelo enfoque na parte final da narrativa, uma opção (péssima) pela desmitificação da Grécia antiga -- como se isso fosse possível -- para remontar a história ao nível argumentativo e diálogico de apenas mais um tedioso dramalhão contemporâneo (essa palavra insuportável) , ainda que o cenário e as cenas tenham um tanto de Shakespeare na ação .

Um Ulisses irreconhecível, uma Penélope sem expressão, um Telêmaco teen-rebeldia de Hollywood B. Uma das justificativas do diretor é que pretendia mostrar um Odisseu mais "humano" e 'mortificado pela guerra", assim como os relacionamentos "reais" que envolvem a família. Amigo, o cara não saiu de Tróia há 2 minutos depois de botar o famoso Cavalo no quintal dos inimigos e decidir o rumo da guerra, baixando em Ítaca em seguida. Ele saiu de Tróia há dez anos e na volta demorada para casa --por força das armações dos deuses desafetos -- viveu experiências extraordinárias no caminho, maior razão de ser da obra atribuída a Homero. A imagem de Ulisses no filme  está em completa falta de sintonia com o texto, e mesmo havendo a tal liberdade de releitura, foi muita bola fora.

Esperando agora chegar 2026 pra ver o Christopher Nolan fazer justiça à verdadeira Odisseia no filme novo, com toda a sua riqueza de movimento, personagens cores e sons, uma das experiências mais ousadas e bonitas da nossa existência humana no planeta, recolocando no devido lugar sua incomensurável importância na fundação do que ainda hoje entendemos por imaginário.