Terror e suspense, em Ari Aster

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Hereditário (2018) e Midsommar (2019), ambos
sob a direção do talentoso novato Ari Aster, embrenham-se pelo bilionário e irregular terreno dos "thrillers" do cinema americano,  destino de no mínimo 5 entre cada dez produções que vêm à tona por aquelas terras, para saciar uma demanda infinita. Do luxo ao lixo, esse talvez seja o gênero de maior variação na qualidade final da arte.
Do ponto de vista da máquina do cinema, embora estejam dentro do mesmo gênero , albergam diferenças essenciais.

Primeiro, na estrutura "fria", de estatísticas, enquanto "Hereditário" conta com duas grandes estrelas nos papéis principais e dispõe de um orçamento muito maior, "Midsommar", por sua vez, lembra alguns filmes acadêmicos por sua simplicidade de filmagem desprovida de estrelas e a opção das locações abertas em vez dos contidos (e controláveis ) ambientes interiores.

Muito incensado desde sua gravação e detentor de alguns prêmios, Hereditário gira em torno das tragédias que acometem uma família numa cidade do interior como outra qualquer, e  erra muito mais que acerta no andamento, uma vez que a história é bem fraca, um tanto confusa e as cenas impactantes são usadas fora do "timing", coisa tão importante em qualquer cinema. Dois atores de primeiro time no elenco, contudo Toni Colette (a  mãe)  exagera nas caras e bocas, alternando-se em momentos seguintes com uma normalidade improvável diante de tudo que viveu. Gabriel Byrne, o pai, tentando parecer o sensato-razoável-racional da família, mas  apagado quase todo o tempo  não consegue dizer a que veio.

Na arte como na vida, às vezes o menos é mais, e no resultado Midsommar, segundo filme do diretor, acaba sendo muito melhor na realização de sua proposta do que Hereditário. 

Não apenas isso, mas ocorre uma situação que não deve passar despercebida na apreciação desse gênero . A diferença entre  "suspense" e "terror" não é pequena, e define de forma cristalina o que é um filme de Hitchcock contra um George Romero, por exemplo.

Hereditário,  querendo ou não,  enquadra-se na segunda  hipótese, uma vez que o encadeamento das idéias e respiração do roteiro não  conseguem muito bem convencer sobre uma trama subliminar que poderia gerar a tensão necessária para o desfecho . Quando a ação relevante ocorre, -- típico no filme de terror-- é necessário que a imagem impactante (o monstro,  o sangue, o crime, o sobrenatural ou a ação incisiva) se ponha gritante na tela para relevar o texto e prender o público.   A imagem explícita suplanta o argumento abstrato. Daí que a espécie "terror" sempre tem a tendência de ser mais tosca,  primitiva. 

No caso de Midsommar, isso ocorre de forma muito diferente, oblíqua ,  o que o insere muito mais como suspense. O ambiente não é lúgubre,  e nem existe a remissão à imagem impactante desde o início e nem o tempo inteiro porque o argumento é  sólido. Mesmo sem saber integralmente o que o aguarda, o espectador vai se infiltrando na história familiar trágica de uma garota e suas tentativas de superação. No caminho, abertura interessante para um tema antropológico  de relevo  mesmo que pareça,  de princípio , coisa de adolescentes. 

Daí, aos poucos é que se vai construindo um possível desenrolar com a cumplicidade solicitada ao espectador. Houve um incidente, um  ponto deflagrando o tema que subjaz, que está dado a partir daí: o valor da vida. Assunto profundo,  filosófico, que admite infinitas acepções conforme culturas ,  tempo e contexto. Mas a ação se desenvolve de forma inicialmente despretensiosa, um grupo de jovens numa semana de descanso em um país diferente  para curtirem um festival da tradição pagã Viking no solstício de verão. 

Não é que não tenha lá seus momentos de impacto imagético, mas ao usar mais a história em si mesma e as sugestões que vai instilando aos poucos do que o recurso fácil à imagem, Midsommar (que também conta com belíssima fotografia e trilha sonora) é muito mais suspense que terror em sua fórmula,  e produz resultado muito melhor que Hereditário em seus excessos vazios. Mais inteligente  mais bonito que a lúgubre e confusa tocada do primeiro filme do diretor. O suspense, em geral, é estratégia de inteligência, de difícil articulação, nem sempre usa a imagem direta como meio -- normalmente a imagem é um recurso adicional mas não o fim em si mesmo -- portanto possui traços inteiramente diferentes do terror. Daí que, em nossa época, o terror seja, sem dúvida, o que mais se produz nos cinemas ocidentais . Ironia pouca é bobagem.