PESCARIA
Às voltas com seu novo conjunto de pesca que ganhara recentemente da mãe, composto de molinete completo com vara de pescar de fibra e carretilha, bóia rosa e branca de isopor, anzóis de todo tipo (inclusive um pequenino e brilhoso de isca de peixe artificial), linhas de nylon, chumbadas com vários formatos geométricos e uma caixinha verde escura repleta de bandejas e nichos para organizar tudo aquilo, Lilinha agora já nem se lembrava mais da antiga vara de PVC verde e branca que um dia achou encostada num galpão de ferramentas lá do sítio e vinha utilizando sem muito sucesso nas suas tentativas de pesca na beira do rio largo. Grande demais para transportar e um pouco pesada, mal conseguia levar aquilo sozinha, precisava sempre dos assistentes pra dar uma força. Agora, não . Com a nova aparelhagem tamanho kids podia desmontar facilmente e até levar dentro do carro a cada vez.
Mal chegando no sítio um sábado de sol pela manhã, toca pra beira do rio na ansiedade.
- Passa filtro, Lilinha! Passar repelente, colocar o chapéu por causa do sol a essa hora e veja se não chega perto demais da beira do rio hein!!
A turma da vigia não deixava por menos
- Ah, e cuidado com cobra que semana passada o Geraldo matou uma debaixo do Tamarindo!
Vai Lilinha com equipamentos, bota anti-cobras, filtro solar, repelente, boné e garrafinha Squeeze das Meninas Super Poderosas pra beira d'água. Deram até um potinho com uns camarões meio congelados pra fazer de isca.
Sozinha na beira do rio, ã distância de uma esticada de olhos dos mais velhos reunidos na varanda, vai a pescadora tentando a sorte. Joga a linha, puxa na medida e trava na carretilha pra ficar esperando beliscar. Na varanda, café fresco e bolo com queijo, a conversa segue animada entre os adultos, com a avó conduzindo a resenha. Papo vai alto, adulto é mestre em esquecer criança quando sossega.
Súbito alguém lembra e se levanta no alvoroço, buscar Lilinha que está ficando tarde. Lá volta a garota depois da sua hora e meia de pescaria, com equipamento a tiracolo e sem nenhum peixe.
- Não pegou nada hoje pra janta? A tia pergunta, rindo
- Peguei dois mas eram pequenos e soltei de novo, meu avô que falou que não era bom pescar peixe muito pequeno porque eles ainda iam ficar grandes e ter uma família .
Todos se entreolharam em silêncio e logo Lilinha já estava atrás da casa correndo novamente atrás do frango de uma asa quebrada no caminho do galinheiro.
- Marta, -- diz a tia -- foi vc mesma quem ensinou Lilinha a mexer com anzol e isca, lançar a linha e tudo?
Marta responde, meio surpresa:
- Ué, eu não, achei que fosse o Dito que conhece mais do assunto.
Dito, cabreiro, já responde logo, com o canto da boca:
-- eu que não fui! Ela tava me rodeando já há uma semana pra montar esse molinete mas eu não tive tempo , fiz escala a semana toda.
E emenda logo pra Maria, a avó:
- não foi a senhora, mãe?
Maria, sentindo um arrepio na espinha, demora pra responder e confirma que também não foi ela pq nem sabia sobre a nova vara de pesca e os equipamentos. Lilinha chegara no sítio umas horas antes já se dirigindo à beira d'água . Ninguém atinou sobre a necessidade óbvia de montar a vara de pesca antes do uso: encaixar a carretilha, transpor a linha de nylon pra carretilha, passar o fio na vara pelas guias, puxar na ponta, instalar a bóia, a chumbada, os anzóis e finalmente iscar o anzol com o camarão semi congelado . Além disso, seria necessário dar as noções básicas do lançamento da linha e da trava na carretilha pra linha ficar no ponto certo. Dito, apenas pra conferir, pega o molinete e dá uma olhada:
- É, a carretilha de metal, a vara e o anzol foram montados por um profissional ou no mínimo algum curioso que entende de pesca.
Toca buscar Lilinha lá no galinheiro pra inquisição: - Mas quem montou a vara de pescar pra vc e passou o anzol e botou a isca pra vc pescar? Meio gaguejando a tia ansiosa manda a pergunta universal.
- Ué, foi meu vô!
Responde Lilinha com naturalidade e sem pestanejar
Silêncio geral, oito pares de olhos se olhando na varanda da casa.
- Mas Lilinha... Seu avô...
Arrisca a mãe
- Mas o seu avô...
Completa a tia em auxílio da mãe mas sem terminar a frase enquanto Vó Maria por sua vez senta e pede um copo d'água ligeiro pra sua assistente lá dentro da cozinha .
Dito manda também sua pergunta diante do silêncio embaraçado dos outros inquisidores:
- Lilinha, fala pro tio aqui: a hora que vc disse que pegou dois peixes, quem soltou os peixes do anzol e devolveu pro rio?
- Ué foi meu avô! Ele hoje que botou a vara de pescar com os chumbos, o anzol e mais tudo que ele pediu pra eu comprar da outra semana que estive aqui e eu fui e pedi minha mãe comprar e trouxe ele montou pra mim e mostrou como que joga no rio como que bota a isca e como que tira o peixe filhote pra devolver porque não podemos pescar filhotes que é covardia tudo meu avô que disse. Depois que ele falou isso, entrou no bote e foi remando.
Vó Maria já recuperada pega a neta no colo e diz, carinhosa:
- Venha cá minha querida que eu vou lhe explicar umas coisas: Seu avô era muito querido e todo mundo gostava dele e todo mundo também sabe como você era ligada a ele, mas vc sabe, lembra? Quando eu expliquei fazem três meses, vc tava no começo das aulas, lembra?
Lilinha assente com a cabeça, dizendo que se lembrava.
-- Pois então ...
Continua Vó Maria
-- Naquele dia você esteve lá naquele lugar, um jardim grande, muita grama verde, um lugar cheio de flores, tinha uma casinha, um quarto, onde todos nós estávamos lá também e seu avô estava deitado numa cama bonita, lembra? E todos os amigos dele da sinuca e da pescaria foram lá pra prestar a última homenagem
A garota concordava com cada pergunta acenando com a cabeça, mas no rosto trazia um sorriso de canto de boca ainda não totalmente materializado, como alguém que já sabe algo sobre o final de uma história, sabe como termina mas não quer dizer para não melindrar o narrador
Segue Vó Maria com os olhos mareados:
-- Pois é, Lilinha, seu avô era muito querido e gostava muito de você e você também adorava ele, mas ele não está mais entre nós desde o começo do ano, minha querida. Agora está com Deus no Céu.
A menina respira fundo, como se buscando um pouco de paciência para falar com a avó a coisa mais simples e já resolvida do planeta e responde:
-- Eu sei, vó , mas eu não posso falar isso pra ele porque hoje ele disse que vai me ensinar a dar o nó do anzol sábado que vem quando nós voltarmos aqui no sítio ...
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OS BICHOS
Como boa criança-raiz, Lilinha além de artista com seus muitos desenhos e aquarelas é uma pequena cientista nata e coleciona bichos de todo tipo: um peixe Beta bonito vermelho e púrpura num pequeno aquário retangular, um sapo Cururu enorme de um quilo e meio que achou na beirada do rio -- e arrastou pra casa no avental do vestido dobrado para desespero de todos que tomavam café na varanda, espalhando cadeiras pra um lado, gente café pão e bolo pro outro.
Cuida ainda de um periquito domesticado que enche o sofá da sala de sujeira e casca de sementes, leva consigo a tiracolo aonde vai pelo sítio um frango carijó da asa meio quebrada que catou lá no galinheiro do avô, e nos últimos tempos anda administrando com muita competência um formigueiro modelo que habita a cozinha dentro de umas paredes de vidro.
Passa horas observando aquelas formigas ocupadas indo e vindo nas trilhas e túneis internos daquele curioso planeta . Põe comida, torrão de açúcar, migalhas de pão e fica observando o mister das formigas ocupadas indo e vindo organizadamente dentro das vias tubulares. Descobre que ali existe rainha e súditos e se encanta ainda mais pela coisa toda.
-- Então também tem princesa? Pergunta, séria, olhar reflexivo e sonhador
A última aventura foi correr e pegar com as mãos uma taruira que, mostrando exímio talento, cumpria as dez provas do decatlo olímpico na carreira entre o forro do teto baixo e as paredes, saltando ao banheiro com báscula semi aberta (provável porta secreta de entrada) e retornando à posição inicial enquanto desafiava vassouras e chineladas num ziguezague pra deixar Ronaldo Fenômeno com inveja.
Lilinha chega no quarto, dá uma olhada na cena de filme, com lençóis arrancados da cama, estante de livros caída, balaio de roupas pisoteado, copo d'água quebrado pelo chão e dá risada vendo a mãe e a tia correndo em desespero pra fora do quarto enquanto os tios se arvoram entrar no quarto como destemidos guerreiros com redes, baldes e luvas, olhos arregalados pro cantinho do teto onde o inimigo feroz arquejava na luz forte, respiração ofegante dando pra ver através da pele.
A um descuido do bicho, que no susto desprega da parede num salto sem vara e bate de barriga no chão fazendo aquele barulhinho plaf conhecido, Lilinha se abaixa ligeira e natural pegando o bichinho com as mãos e tocando pra fora de casa enquanto a mãe com os estrimiliques característicos da síncope misturada de terror, incredulidade e estado de choque grita pra avó pelamordedeus e tudo que é santo, levar essa menina pra tomar banho e passar álcool nas mãos.
A novidade essa semana é que ela achou na rua um gatinho ruivo sem raça e logo trouxe pra casa, dando-lhe o nome de Goiabada.
Como será essa história do Gato Goiabada e seu convívio no mesmo ambiente com o Periquito, o peixe Beta, o sapo Cururu e o Castelo de Vidro da Rainha Formiga é o que as cenas dos próximos capítulos vão dizer...
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JUDÔ
Lilinha é boa de luta e vive ganhando prêmios no Judô. E aínda faz natação em dias alternados, demonstrando uma vez mais a qualquer cientista ou médico do esporte como as crianças têm esse dom inato de despender tanta energia e, ao mesmo tempo em que queimam calorias e gastam, um outro sistema interno trabalha simultaneamente com um efeito impressionante de eficiência para recolocar energia ainda maior disponível para novas aventuras. Nos adultos, coisa que falha e falta. Muito.
Dia de treino, saindo dos vestiários pra quadra, Augustinho um ano mais novo e seu amigo de colégio vem todo na diplomacia e saca um bombom Serenata da bolsa. Manda logo a letra :
-- Lilinha, se você me deixar ganhar hoje eu te dou esse bombom .
Como eu não tinha dito antes, aviso: Lilinha costumava derrubar Augustinho e outros coleguinhas da mesma idade com uma certa frequência, o que deixava principalmente os meninos assim meio amuados. Homem é ensinado a não gostar de perder desde criança, e não é difícil imaginar como era a situação do garoto em casa, na rua as explicações para alguns pais assim ou assado ou mesmo na escola diante dos demais colegas a justificar o injustificável. Era bullying dia e noite.
Ela nem pensa duas vezes, diz: --Tá bom! e cata o bombom das mãos do garoto, guardando em sua necessaire cor-de-rosa e Meninas Super-Poderosas. Rumo ao tatame!
Aquecimento, novos movimentos coletivos, orientações do mestre e logo passam ao individual.
Primeira chance e Lilinha marca logo o ponto jogando Augustinho no chão, que faz uma cara um tanto quanto surpreso enquanto voava sobre os ombros da garota pra cair de lado e triste no tatame azul.
Mestre interrompendo, vitória assegurada. Cumprimentos formais nessa elegância absurda que os belos. fundamentos das artes marciais têm na sua gênese magistral.
De volta aos vestiários, Augustinho decepcionado reclamando e Lilinha firme na resposta:
- Deu porque quis, o bombom é meu !
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A PROPÓSITO DO QUEIJO DERRETIDO
Lilinha 9 anos ainda meio banguela
Arteira como o Demo
mas a cara mais inocente do mundo
Uma rara criança -raiz
Não provara queijo frito ainda
Já comeu? -- Não...
Toma aí, fizemos na chapa com manteiga
Joga mel por cima que fica uma beleza
(O olhar desafiador do alto do seu exímio conhecimento de doces & Chips & Cia)
Gostou?
-- ...boooooommm !!!haha ..Mais um!!
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