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Mostrando postagens de março, 2014

A sétima porta

Meia-noite encobrindo a neblina densa e fria, e Sylvester lambe as patas, afiando suas garras no tapete da sala. Atrás dele, o sofá de couro cinza puído, embaixo do relógio de parede em estilo gótico que soava a última das doze badaladas ecoando pelo salão principal. Quadros dos antigos moradores da casa adornavam a parede lateral que se estendia pelo corredor de teto amarelado com infiltrações úmidas de musgo verde nas quinas. Desde que momentos antes passara a carruagem pela rua de pedras molhadas de sereno, o silêncio abraçou a imensa casa colonial de dezoito quartos, calçada com assoalho de madeira e sustentada por vigas mestras de seis metros de altura. Outrora aquela casa vivia repleta de crianças, convidados, bebidas exóticas e banquetes variados em razão das recepções acontecidas no salão oval. Agora, uma vez extintas as músicas dos salões, ouvia-se apenas uma coruja do mato piando ao longe, sapos roucos no pântano ao fundo do quintal e o suspiro do vento gelado do mês de j

Ela

A vida tropeçou em mim quando a conheci. Minhas noites perdidas, especulando por ócio ou ofício os destinos inglórios do mundo Minha vida tão dividida afastando-me saudavelmente  de mim mesmo por um tempo finalmente ganhava um sentido inteiro ao seu lado quando sua leveza e sua vontade de viver me invadiam no final de cada tarde pela  felicidade incontida de contemplar esse filhotinho de pássaro recém-saído do ninho, a esticar suas asas ainda desajeitadas sobre minha história Ela veio assim, meio sem aviso para perturbar definitivamente a ordem pré-estabelecida das coisas _ordem errada, é claro, e infeliz_ que eu estabelecera com as coisas e veio plantando em mim o germe da rebeldia dentro daquilo  que eu ainda chamava dia. Criatura da noite, eu percebi então que ainda não conhecia o dia. E como todo Ogro, habitante das cavernas, demorado em seus sentimentos apenas aceitei que a amava quando um dia a vi chorando. Essa criatura sensual e louca que chegou virando t