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Mostrando postagens de fevereiro, 2020

Se for pra ser velho

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Rol (Poemas Armando Freitas Filho) Para Armando --------- Se for pra ser velho tem que ser assim Melancólico e moleque Sem engrossar demais a pele Ouvir na noite erma ao abandono de si Os arranhões do lápis (Angustiado, desperto, solto) encontrando e perdendo vidas na superfície porosa do papel Perscrutar o dia que ruge lá fora pelos vidros de uma outra varanda Saber de cor os sons das antigas falas Cômodos e salas, quarto e cozinha de nosso peito-casa O amarrado das coisas que contam [E nessa lida tanta coisa conta] Lembrando nostálgico o tempo incauto de fumante aspirando a fumaça do cigarro escondido -- um por dia -- no cantinho escuro do banheiro Como dizia o João Cabral aos 72 não pode mais fazer mal O copo de conhaque pela metade Prosseguir como quem arrefece mas jamais sossega Sair dos sessenta, passar pelos setenta e chegar aos oitenta intenso No pulso o não-senso de quatro garotos de vinte A inquietude como bênção e o sossegar sendo a

No coração da selva

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Alessamba, que linda! a índia branca se apropria dessa outra fantasia Na passarela Um corpo que é discurso Incorpora lutas Reverbera vozes sufocadas há pelo menos quinhentos anos Corpo-painel a revelar verdades surdas Alessandra samba O sangue dessa tinta marcada sobre os olhos E seus sonhos também são os nossos Solidários aos pesadelos dos que nós não vemos Rubras cachoeiras que todos tentam esquecer [Que linda essa índia] Em sua fantasia Bela ainda estaria vestida de noiva Cleópatra ou arlequina Mas o gesto é mais É metáfora e evocação -- a hipótese, o que seria -- O paraiso, numa visão Não fossem eles, -- não fôssemos nós -- os donos da sede que não sacia A avidez do agronegócio O veneno nas águas O garimpo desolador A matança dos últimos guerreiros Alessamba e evoca Os antigos donos da terra Os expropriados donos dos rios Os verdadeiros donos das matas Ganha capas de revistas Ganha mídia e polemiza Tua imagem generosa é essa

Sapucaí

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Diamante-luz inundando a avenida Rio de lava Espraiando ouro e prata pelas margens  Cativos olhos Esse luxo com que somos exóticos  E ricos E infinitos em magnitude  Pássaros coloridos e matas Terras a perder de vista  O movimento hipnótico  da passista Síncope de surdo com gemidos de cuíca As curvas densas da mulata Não é "coisa pra gringo vê" como se vendêssemos a ilusão terceiro mundo de um outro lugar Somos nós mesmos, veja! só que às vezes é meio difícil reconhecer  Os gringo endoida com a gente é porque somos ricos (E somos essa coisa de endoidar mesmo) e  não porque fingimos  o que não somos para agradar Somos essa mistura toda garantidora da beleza Um belo que é tão mais belo porque ainda carrega em si tanta arte tanta vontade de vida Essa imensa dignidade em meio às tristezas

Antropofagia contra a doença da época

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Trabalho magistral de Maria Augusta Fonseca, nessa belíssima biografia, pela Record O interlaçamento entre homem, obra e época sem se perder nenhuma poesia no caminho A relevância desse autor genial, a essência do modernismo em um de seus expoentes [modernismo cuja gênese, entranhas, movimento e combustível ainda está entre nós] O resgate da Antropofagia, a melhor metáfora em mais que oportuna leitura, como antídoto ao mal destes tempos Devorar, devorar, devorar signos, desatinos,  violências metabolizar histórias valores, tendências digerir  os movimentos porque é só assim que o novo vem Não impedir os fluxos, celebrar e não cerebrar  excessivamente o que não nasceu para A vida não é algo que se reduza ao cerebral nem as mágoas e ressentimentos são suficientes para contê-la Imaginar -- como Schopenhauer , ainda tão budista -- que o caminho das dores é soberano Mais que isso, que a dor é a única cor é empobrecer demais o devir e estar completamente surd

Os medíocres no poder

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Artigo do El País : Os medíocres no poder Lembranças de Robert Musil e o livro que melhor expôs os ossos destes tempos