Postagens

PENSAMENTOS E VÃS FILOSOFIAS DENTRO DE UM BUSÃO QUENTE E LOTADO, A CAMINHO DE MAIS UM DIA DE TRABALHO NUMA SEXTA-FEIRA QUALQUER DE DEZEMBRO Fim de ano difícil esse, e mais um jornal de sexta-feira nas mãos. A rotina da vida retratada na grande imprensa: nunca nada de bom. A vida sempre maltratada nas primeiras páginas: cuspida, subornada e destituída de qualquer dignidade. Jornais com sangue, lamas reais e figuradas, todas expostas em manipulações baratas e informações compradas e vendidas sobre os rumos do país. Tento largar o jornal de lado e olhar à direita para aquele monte de Flamboyants vermelhos que acabaram de abrir suas flores no campus da UFES, bem ali do lado. Se não houvesse calendários , eu já saberia que era dezembro em Vitória, pelo calor, a umidade prevendo nova chuva para hoje e principalmente por essas árvores sem igual. Flamboyants, por definição, não lançam florada, eles explodem, e esse explodir também é um explodir de vida, de cores, de sentido, mo

O farsante

Imagem
E foi assim que fui parar num sarau, a convite de um grande amigo e cronista de primeira hora, aqui de Vitória. Noite de plena quinta-feira, o fim de semana ainda estava apenas apontando no horizonte. Curioso com as apresentações literárias prometidas no evento. Apesar de considerar os saraus importantes fomentadores e divulgadores da boa literatura, nunca senti que tivesse muito o perfil necessário para frequentá-los. Em parte pela timidez ou total inépcia em  ler meus próprios textos, e de outra mão, pra ser bem sincero, porque não consigo entender muito bem literatura falada, verbalizada. Uma heresia, é claro. Admiro quem consegue. Sou meio ortodoxo e surdo para a palavra falada, e isso muito a contragosto. Acho que é um defeito de nascença, ou quem sabe, tenha algum germe plantado num possível passado onde um germe educacional mal plantado ou malcriado não teve talvez o necessário melhor desenvolvimento. Sei lá porque, mas o fato é que preciso "ver escrita" a palavra, p
Imagem
RESENHA "ABUSADO" (Caco Barcelos , Ed. Record) Desafiando o famoso toque consumista confesso de alguém que tem dificuldade em administrar a própria compulsão de comprar sempre mais do que consegue ler, de repente dou de cara com o livro de Caco Barcelos, parado há tanto tempo na estante e esperando uma oportunidade, entre tantos outros ainda não lidos. Eis que a oportunidade finalmente surgiu , depois dos últimos fatos violentos relacionados à cidade do Rio de Janeiro e amplamente divulgados pela imprensa. Uma curiosidade mórbida sobre um tema do qual tantas vezes ouvi falar, mas que de perto conheço tão pouco: a antiga história dos conflitos entre morro, zona sul e o comportamento segregacionista que existe institucionalizado nessa cidade desde sempre, uma cidade culturalmente rica e contraditória até as raízes, e que em tudo reflete uma espécie de painel orgânico do Brasil. A curiosidade sobre algo que pudesse me dar um limiar mais profundo e contemporâneo sobre o

A tempestade

Renascendo depois de um seco e tenebroso inverno, eu vi sua chegada verde, anunciada, úmida, por entre chuvas temporais, calores estivais flutuando cheiros. Eu e as árvores olhando nuvens na esperança da sua volta. Os arautos de vento que dançam janelas, entrevistam portas e recomendam gotas, estes sabem as notícias antes que o mundo as faça. A chuva tem sua escola de espreitar o momento certo. Contempla-se, de uma janela, esse liquefazer de todos os seres vivos,  como se através do olho mágico de uma porta secreta, eu pudesse contemplar o próprio mundo em espiral infinita, movendo-se no ritmo da torrente seguida, enquanto uma  leva de seres felizes por poder navegá-la sem paradas, sem atropelos, simplesmente flui. Sob a ponte de madeira grossa mas incompleta em sua latitude, ruge o rio vermelho, esse temeroso som desbarrancador (familiar a quem habita suas margens), curvando violento  poucos metros à frente. Jangadas bananeiras, sem passageiros no convés, com cabeças mil folhas,

O riso

Imagem
Por dois marcantes estados de espírito, o homem frequentemente contempla os deuses,  no tempo fugaz de sua singela existência: o trágico e o riso. O trágico, porque rompe com todos os artifícios, soterrando as futilidades, convenções e aparências características da vida social em todo o planeta, desde que esse tipo especial de primata saiu de suas cavernas coletivas para almejar o domínio da natureza, projeto mais ambicioso para si próprio.  Eliminando a dormência  inata do ser,  a dor e a prostração inerentes à percepção da tragédia ainda capacitam o olhar e os sentidos hipersensibilizados a experimentarem o sofrimento  em sua forma mais pura, trazendo consigo a possibilidade da visão fulgurante, a capacidade do ser absorver o impacto diretamente em seu peito, sem qualquer tipo de anestesia... Toda a força da vida, em sua forma mais bruta.  Naturalmente, isso não é algo desejado, nem do ponto de vista do indivíduo nem muito menos do grupo. A manifestação do trágico é quase semp

O homem que queria ser letra

Imagem
(reeditado em 19-08-15) De tudo que eu um dia quis ser na vida, de tudo quanto é vocação, tendência, destino ou moda, ser gente é o que mais me entedia. Por isso, enjoado de ser gente, enjoado da humanidade e de suas possibilidades mesquinhas, um dia decidi ser letra. Mas não queria ser letra comum, igual, repetida ou banal. Pra eu me tornar letra tinha que ser assim, Letra mesmo, com inicial maiúscula, espírito e forma, letra comprida, continuada, com sentido, abstração e uma imprevisível conexão  do tipo que não faz parágrafo para mudar meus assuntos à medida em que evoluo. Letra do tipo em que não faz ponto pra respirar entre uma montanha e outra, do tipo que cria títulos que podem ou não ser lidos por pessoas ou deslidos por não-pessoas, reinventados por crianças esses eternos criadores (o que importa?) Na missão-nova de ser letra não quis ser mais uma igual, ainda que exemplos belos não me faltassem, ainda que não faltasse também admiração por eles, os criadores absolutos de

ENSAIO: Amor e sofrimento no "Werther", de J.W. Goethe

Imagem
"Ah, se pudesses expressar tudo isso, se pudesses imprimir no papel tudo aquilo que palpita dentro de ti com tanta plenitude  e tanto calor, de tal forma que a obra se tornasse o espelho de tua alma, assim como tua alma é o espelho do Deus infinito".... ("Werther", J. W. Goethe) "E se adormecesses? E se, no teu sono, sonhasses? E se, no teu sonho, subisses aos céus e ali colhesses uma estranha e bela flor? E ainda se, ao acordares, tivesses a flor na tua mão... Ah, como seria, então?" (S.T. Coleridge) O que não se faz por amor? Até onde se pode ou se deve ir quando se ama? Onde está o sujeito ou o objeto no meio da sublime sensação quando ela ocorre, tornando por vezes seus onipotentes atores em meros fantoches e objetos nas mãos de forças que surgem e se desenvolvem à margem da simples razão humana? Aonde se erguerão agora os conhecidos e duros limites do mundo físico que de repente parecem se dissolver no próprio ar? Existe diferença significativ