Sobre vampiros



Entre as gélidas rochas desta cela abandonada
mil anos aguardando e padecendo 
a eterna sede 
que nunca é saciada

Metamorfoseando em asas o desejo, morpho chiroptera
deixo minha cripta e rasgo a noite sobre a Terra
os instintos intactos, um vôo cego e rápido, Nosferatu
e um domínio de Fausto sobre o que o mundo integra.

Você dorme, inocente, na escuridão do imenso quarto
sinto seu calor e o coração nos seios agitados
a ansiedade da lua imensa prata
convite ao banquete onde será servida
sua juventude em grandes taças

Sua pele clara brilha nas sombras,
deleito-me com a visão enquanto mordo seu pescoço
você me pertence,agora
seus humores e sua essência circulam em meu corpo
e alimentarão minha sombria existência
enquanto lego a você uma fração do meu ser imortal
sugando até bem perto do fim a sua linfa vital
doce fluido cristalino
enquanto vejo, por  lascívia, 

sua vida aos poucos se esvaindo

Seu corpo contorcendo-se em gritos abafados e roucos nos meus braços
provando a saga de vingar-se da própria morte pelo prazer intenso deste instante
derretendo-se como as últimas neves de um poderoso inverno
a se dissipar do cume dos montes
sua pele pálida e seus lábios exangües
seu ardente sangue se espalhando por minhas veias ressecadas
alimentando mil rios antes do solstício de verão.

Assim iniciada, como acontece entre nossa espécie
você aprenderá em breve
que não há mais lugar para sentimentos
Humanos são somente o alimento,
os nutrientes deste mister insano
desta fome de viver
que nos escraviza há tantos anos
e da maldita sorte de nunca alcançar a morte
Algo incompreensível aos humanos

Minha redenção é a solidão
posso prescindir do convívio triste
pois o tempo para mim não existe,
posso voar por mais mil eras dentro desta única noite
até que a manhã se revele no êxtase ingênuo de um novo dia.
Então, em respeito a um antigo pacto,abdicarei
forçosamente dessa contemplação, por ironia
testemunhando o sol a sepultar um morto-vivo
em seu lúgubre castelo de pedras frias.