A Estação


Bora, então, amanhã às sete. Tem que ser bem cedo, senão o sol queima demais. Proveitar que é sábado e não tem aula. Todos de bicicleta. Além de mim, Kuru, Romário, Harilson, Marcos e quem mais quiser. Tudo equipado, cordas, canivetes, lanternas, lanche de emergência e água, é claro. Noite dormida aos sustos, café queimando na garganta da manhã, pão mal mastigado e a poeira da estrada!!... Somos nós outra vez. Trilhos de antigos trens, desaparecidos assim, sem motivo, e no rastro bom de suas britas com ferros inteiros navegamos nós, sete vezes duas rodas, na poeira da vida. Parada em sítio de Wesley para comprar (mais ou menos) curiosos cocos amarelos nos coqueiros de beira de estrada. Valeu Wesley, qualquer dia pagamos. E a água do coqueiro virada suco para barrigas sedentas na estrada. Riacho e cachoeiras de beira, lavradores no trato da terra e do mato, respirada rica desse mato matinal verdinho, verdinho, bem cedo num sábado glorioso. Insetos atarefados corretos em sua lida obstinada para o além do sobreviver. Pássaros, mais abençoados do que insetos, desfrutando o além do mero sobreviver com o benefício da arte do canto. Preferência dos deuses pela música. Notório. Caminhão na contra-mão, ribombando bicicletas assustadas para os lados da estrada, infeliz rolo compressor das vias contra a suprema invenção das duas rodas. Verde, verde, verde, amarelo, amarelo, vermelho, barrom, varrancos de barro estrada, quilates de pedras vesuvianas aparecendo na mirada do sol molhadinho de bem cedo hoje, nas redondezas do Alegre. Estâncias, gado cheirando leite, perfume acostumado dos currais, só quem é da roça é que sabe. Quem mora longe muito estranha os ares. Não sabem... Pássaros. Pedrada nesse daqui, pedrada naquele de lá, sem espingarda fica difícil, porque borracha boa é muito cara, e a mira, como anda bem difícil de matar algum. Se matar, dá pra comer, fritos, é claro, e são gostosos. Não diga a ninguém. Tombo. Poeira. Rala-se braço, rala-se pernas, ralo-me até a cabeça. Dores adrenalinas, mal sentidas. Continua-se no pedal para senti-las somente mais tarde, no descalor da passada, depois do banho. Hora pedala-se. O túnel............ Tamanha escuridão, tamanho medo da entrada, tamanho desconhecimento da saída. Lama fria e pegajosa sob os pés descalços. Argh! Coisa mole e fria demais sob os pés, lanternas fracas na mirada do teto. Marcas de antigas locomotivas, antigas fumaças pretas de outras leopoldinas eras. Saudades de quando eu era outro e estava passeando nesses trens, e de lá olhava para mim mesmo aqui, agora, cem anos depois. Pouca coisa mudou desde então. Ratos com asas colados no teto. Ratos pré-históricos de paredes, ratos voadores vampiros com suas asas de seda. Ratos lambedores com enormes dentes. Melhor chegar logo do outro lado, carece voltar antes que o sol se vá. Um som estranho na saída, um rumbolar continuado reverberando pelas paredes do túnel. Cachoeira roncadora. Vozes e histórias de outras eras. Morcegos, histórias, vozes, fumaça, lama, cachoeira, escuridão.... Melhor chegar logo ao outro lado. Luz!! Luz!! Finalmente, algo que releve esta vil lanterna.