As palavras e as coisas

Se eu tivesse nascido poeta
censuraria as rimas improváveis
e mais tudo nessa vida que nunca chora
quando vê o destino, por mero capricho,
rimar beleza com tristeza
torpeza com delicadeza
e felicidade com crueldade


Se eu tivesse nascido poeta
não passaria tantas noites aflitas e insones
atrás da melhor palavra
para representar um sonho,  uma idéia, um espanto
algo que me permitisse me aproximar mais
da essência da própria vida
as palavras simplesmente me deixariam um dia em paz
por saber que a vida não é lugar nem pessoa
nem no final não tem nenhuma porcaria de essência
e só se permite a aproximação quando bem quer

Se eu pudesse ter nascido poeta
remediaria todos os males imaginários do mundo
aqueles que o mundo sempre pensa que sofre como gente grande
mas no fim não há mundo,  porque  não há sofrimento do mundo
nem sequer há gente grande
o que existe mesmo são pessoas, indivíduos,
essas singulares criaturas que sofrem, que choram e que riem
cada um por si só
afundando-se e levantando-se em suas próprias tragédias cotidianas
como crianças perdidas, sempre  em busca de um porquê

Se eu pudesse ter nascido poeta
apenas abriria o espírito à grande voz do universo
e residindo distante de todas as pequenas tragédias
falsas ou verdadeiras, e refugiando-me por cautela
do sentido humano imposto a tudo o que se vê
buscaria outro olhar do planeta sobre si mesmo
uma testemunha calada dessa desconhecida história
e deixando de lado os cansativos humanos por um segundo,
navegaria em linha reta para descobrir
o verdadeiro sentido do mundo