Poesia do cotidiano II

A criança se abaixa para passar na roleta
Ela se ajoelha, se arrasta, e sai do outro lado
Meio suja, meio descabelada, meio atrapalhada
Linda e sorridente, como se nada tivesse acontecido

Não precisa se envergonhar de nada, menina
Vergonha mesmo é a minha

O ônibus pára longe do ponto
A velha entra com duas ou três sacolas pesadas de compras
O ônibus arranca
A velha se desequilibra e cai por cima dos passageiros sentados
(com sacola e tudo)

Quem está de pé, continua, mas ninguém se levanta
A velha salta no ponto logo ali, mais à frente
Com suas duas ou três sacolas pesadas
O ônibus arranca novamente
E ninguém se levanta

O gari varre o meio-fio em tempo de chuvas
Os carros passam em velocidade, revolvendo toda sujeira
De volta ao seu lugar

O gari segue varrendo a sujeira etérea
Que mesmo se não existisse  naquele chão
Continuaria sendo varrida para todo o sempre
Por ele, por seus filhos, por seus netos

O garoto tecla seu celular, com os dois fones nos ouvidos
Logo atrás, duas meninas lindas conversam, animadas
E apontam para ele, riem, quase tocam seus cabelos
O garoto não as vê, e segue teclando, absorto
As meninas descem na parada seguinte
O garoto segue, o belo rosto refletido
Na  tela do seu smartphone

O senhor grisalho observa o movimento da rua
Olha o cachorro levando o dono pra passear
Olha o sol batendo na banca de revistas
Olha as placas de anúncio da loja de automóveis
Depois vê seu relógio de pulso, ansioso
e pensativo: "Quanto tempo ainda"?