Poesia do cotidiano IV

Manhãs de domingo
Dias de anjo
Dias de Belzebu

Acordando meio amassado
Depois de transvirar entre
Lençóis e travesseiros
A noite inteira outra vez

Depois que parei de fumar
Até sonho com cigarros
Preciso beber menos

A vizinha
Com o som muito alto
Para as sete da manhã
É impressão minha
Ou essa porra
Não parou de tocar
A noite inteira?

Levanto com a cabeça
Sincopada

Seja como for,
eu com minhas verdades
universais:
Uísque é sempre uma
péssima pedida
Cabeça latejando
Corpo cuspindo farpas
E o funk é sempre ruim
A qualquer hora do dia
Ou da noite

(Embora eu goste bastante
daquele movimento de corpo,
mas isso não vou confessar)

Um Bem-te-vi canta alto
Amarelinho esperança
Todo motivado e coitadinho
Numa antena parabólica
Que  pelo jeito deve estar a uns cinco metros
Dos meus tímpanos,  sobre o telhado
Do vizinho

Daí penso em como é perfeito
O senhor Deus, que não me deu
Uma metralhadora anti-aérea
Ponto 50 ou uma bazuca
(Aquela dos filmes do Rambo)
Numa manhã bela e doce
De domingo

Atravesso a sala, trôpego
Num último ato glorioso
Em direção à redentora cozinha
Buscar meu elixir matinal
E sem querer piso no jornal
Que ainda está no chão

Paro e olho, cego sem meus óculos
Apenas para perceber
Que pisei, em particular, na seção
De Política (esses cadernos de política)

Daí volto devagarzinho,
Sem ninguém perceber
Apenas um passo atrás
E sapateio sobre o jornal
Que faço questão
De espalhar no chute

Daí, depois do café
Preto, puro, aromático
Pego meus óculos de sol
Monto meu camelo
E saio para o mundo
Ou para o que
Resta dele
Numa manhã
Ensolarada de domingo