O olhar do "outro" que deve ser preservado a todo custo


É porque a questão, seja racial ou de gênero, na produção cultural, não pode ser confundida com o tal do excesso de politicamente correto e nem se trata bem de uma questão "técnica". É política mesmo, luta pela afirmação de forças que nem sempre são convergentes e costumam disputar espaços estratégicos na hora de "dizer a verdade" . Compreender a luta e defender políticas de inclusão não é apostar em quem, homem ou mulher, negro hispânico ou branco, é melhor no que faz. Vai muito além.

É muito mais a luta para garantir a existência do olhar diferenciado, a proteção à diversidade que precisa resistir para que uma arte não sectária e que de fato represente a experiência humana em suas mais amplas variantes possa vir à tona em forma de livre criação. Em certo sentido, não deixa de ser um ideal, mas também não perde a cor quente de uma bandeira de combate aos tons reiteradamente cinzas da civilização branca.

Nesse sentido,já que falamos principalmente de cinema ás vésperas do maior evento no ocidente (não necessariamente o "melhor", mas sem dúvida o maior e mais influente da indústria cultural), muito fortes e oportunas as eternas críticas de Meryl Streep todo ano, e em especial, Nathalie Portman e Barbra Streisand neste último ano, no Globo de Ouro, acerca da quase inexistência (em solo americano, diga-se) de mulheres diretoras e/ou roteiristas. Incrível e triste constatação, no país que mais investe em cinema e difusão cultural do Globo. Sinal dos tempos em que se admite um Trump presidente? Ora, deixemos de lado o ar blasé quando se fala de cinema, simplesmente ignorando a festa do "Oscar". Não há um valor em-si na coisa, mas aquilo ali, além de pegada forte ideológica, sempre foi declaração de status e previsão de tendências mundiais fortíssimas, estendendo-se da Califórnia a Buenos Aires, Bollywood na Ìndia ou ao novo cinema iraniano.

E é uma constatação de triste tendência, essa novidade. Ano passado se deu o mesmo quando, perplexos, perceberam que também não havia praticamente a indicação de negros ou hispânicos em noventa por cento das categorias indicadas. Ora, considerando-se, apenas para efeitos estatísticos, a porcentagem de mulheres, negros e hispânicos que compõe a América do Norte, não precisa somar pra ver que tem algo errado na questão: "Quem é o dono da porra toda".

A discussão é longa e admite muitas tangentes, mas fiz esse post apenas para elogiar o filme "LadyBird", dirigido por uma mulher, coisa rara em particular nesta edição do Oscar, e dizer que a necessidade de preservar esse olhar "do outro" vai além das políticas afirmativas ou de gêneros, embora delas não possa abrir mão. É porque tem uma outra coisa, há uma beleza extra aí, quando isso acontece e conscientemente se abre mais espaços para a celebração da diferença , corajosamente evitando-se que se repita o mesmo refrão. O prazer em ver a delicadeza e o novo pelo olhar diferente do seu, e isso deveria ser considerado uma espécie de mantra para as mentes abertas, nos amplos terrenos da arte.

----------
Recomendando "Lady Bird", a beleza delicada de um olhar feminino sobre um mundo feminino.Greta Gerwig, que além deste belo filme, também dirigiu outros bons como "Frances Ha", assim como recomendaria também a genial turca Deniz Gamze Ergüven, do incomparável "Cinco Graças" ou a inquieta Sofia Coppola, com "Virgens Suicidas" ou "Encontros e desencontros" etc. Há inúmeros outros exemplos, que não alcançam injustamente os espaços de maior divulgação.

Num mundo governado por Trumps em muitas esquinas, que os deuses protejam a diversidade no cinema e nas artes, em geral...