Fitness

Daqueles propósitos de fim de ano que começam na verdade quando o frio chato e aqueles ventos cortantes de agosto setembro dão lugar ao calor da primavera verão aqui em nossas terras. Você está quieto no seu canto, conformado de não ter feito quase exercício nenhum no inverno passado, depois que saiu da  influência da outra temporada de primavera verão, e daí começa a ver movimento e tudo colorido ao redor, não importa aonde vá.

Vai ao shopping pra um cineminha e vê as pujantes promoções  das lojas com imensas vitrines iluminadas com tudo que é manequim e roupa de ginástica , geralmente nada discretas. As lojas de material esportivo então (aquelas que estão sempre no seu caminho obrigatório toda vez que vai ao shopping), tem fila até pra testar pneu de bike e aquela raquete de tênis que você ainda achava que durava mais uma ou duas temporadas começa a ficar cada vez mais obsoleta no seu espírito quanto vê as novas raquetes, sempre a um preço convidativo, penduradas e brilhando bem à frente do seu nariz.

No calçadão, outro inferno. Vai lá pra sua caminhadinha meditativa-filosofante-quase-literária das tardinhas de sábado quando começa a zueira infernal. Passam os moleques do skate, e essa turma só anda em cinco ou mais ao mesmo tempo, e chega pra lá tio, que tamo indo. Passam daqui a pouco as meninas dos patins, deus meu! que coisa linda e perturbadora essas corsários torneando  de um par de pernas desenhistas. E daí, de forma inusitada, aquilo que você certamente jamais estaria esperando por simplesmente não fazer parte da natureza exterior de um dia de caminhada despreocupada à beira do nosso mar e ar poluídos, é que surge a mais dura revelação: saem os tios e tiazinhas eu sei lá de onde, aí pela faixa dos sessenta setenta qualquer coisa, arrumadinhos em suas viseiras, malhas de ginástica e garrafinhas de água a tiracolo. Essas criaturinhas adoráveis passam por você como se fosse um carro de fórmula um sacaneando um fusquinha na estrada.

Peralá! aí também não...

Não fosse por uma questão de idade e quantidade de cabelos brancos, que ainda tenho em natural vantagem, não era pra eu estar tomando essa coça dos veinhos. O brio chama na moral e aperto o passo, tenho que mostrar minha superioridade, oras. Acelero e rápido passo o primeiro par. Mais dois minutos e ultrapasso outro veinho, mais um, e putz! num guento mais. Dez minutos no pique das criaturas e os bofes pra fora. Lá vêm eles de novo, na sequência, seguindo para o final de Camburi enquanto eu sossego na água de côco, suando em bicas. Mas isso não fica assim. Me aguardem!

Semana seguinte, tênis novo na parada, pesinhos na medida e um colchonete moderno, com silicone gel e o caramba. Bora malhar. Não sei se era só por conta dos veinhos, acho que tinha algum outro propósito, querer ficar ou estar mais bonito, estar mais em forma, enfim, não me lembro bem o que era essa motivação toda, mas enfim, ela existia e tava forte no sangue. Vida nova, malhação, comida no jeito, alguns comprimidos e uns pozinhos daqui, uns shakes fora de hora de lá, tentar dormir melhor e rumar pique pra pegar peso de novo, depois de umas eras no degelo.


Digamos que algumas coisas são sempre mais fáceis no terreno da imaginação do que na tal vida real, como já era de se esperar. Nos terrenos platônicos, tudo vai bem afinal, porque se trata de uma coisa de alma, intenções e mundos perfeitos. Na praxis demolidora do suor, da corrida, do saco para repetições e o tédio previsível do condicionamento, o inferno de Dante seria algo bem mais concreto para comparação. E bota disciplina nisso! acordar mais cedo, comer isso, comer aquilo, deixar de comer isso, aquilo e mais aquele outro, cortar açúcar, comer salada, Zeus! não sei como alguém consegue ainda passar por isso tudo e se tornar um veinho saudável. É quase que uma espécie de anacronismo ou heresia, constar, na mesma frase, veinho e saudável, porque de longe, você já consegue imaginar uma série de renúncias, sacrifícios e dores físicas ou emocionais que esses notáveis cidadãos já tiveram que passar pra chegar lá.

Bom, foi indo assim, e agora que está chegando ao final do verão por estes dias, e eu já posso do alto de minha plataforma, dar meu próprio testemunho por cem dias de treino, sacrifício e motivação utilitária "do it" pra fazer a Nike ficar com inveja, eu admito: a coisa comigo foi um fracasso! Das metas estabelecidas, dentre as quais perder cinco quilos, eu ganhei mais cinco. Do condicionamento esperado depois de tanto exercício aeróbico, baseado principalmente em pedal depois que infelizmente tive que largar as piscinas por conta do maldito cloro, foi um joelho direito (que a bem da verdade, já não era muito bom) quase em ruínas, e uma bike novinha  de speed semi-encostada por conta de um pneu desses ultrafinos estourado , vejam só, a vinte quilômetros de casa e eu sem uma previsão qualquer de caixa de ferramentas a bordo, pra ter que voltar de Uber pra casa e ainda pagar mico. Uma coluna nova, pelo amor de Deus! porque depois de tentar após tantos anos fazer agachamento livre no peso, isso que chamava antes de espinha passou a ter alguma outra funcionalidade que não seja o sustentáculo do meu próprio corpo, a não ser que se entenda seu papel por cumprido mesmo na posição horizontal.

Haja analgésico pra dar conta. Seguindo no relatório didático de resultados da temporada, registrei também que o ombro direito (esse meu lado direito do corpo precisa ser benzido), que o tênis já havia arruinado depois de tantos anos de exageros e fomeagem declarada juntada com a preguiça de fazer alongamentos e aquecimentos que precipitaram a coisa toda, agora reclamavam dia e noite (sim, porque nunca vi nada pra doer à noite igual ao tal do ombro), depois que descobri que não apenas em Júpiter, mas também no meu corpo existia uma tal assombração denominada "músculo manguito rotador", que não queiram os senhores e senhoras leitoras tentar descobrir aonde fica e pra quê que serve, porque se isso acontecer, será sempre algo muito doloroso.

No lado das perdas não-físicas, confesso que fica apenas o prejuízo emocional e psicológico (não que sejam menores, por óbvio), de ter que abrir mão de tanto doce,  tanta cerveja, tanto pão, tanta pizza, hamburguer, hotdogs e tudo que é porcaria gostosa durante esse período de cem dias, vejam bem : cem dias! não é uma semana nem um mês, já é uma estação do ano, é tempo pra caramba que não voltará jamais. Quem nos indenizaria numa hora dessa?

Passada a temporada de um mês de descanso, pra recuperar os estragos em termos de ligamentos, músculos e ossos , e ainda depois que percebi o fracasso das minhas metas, todas elas, por sinal, não apenas as positivas que não alcancei mas as negativas porque deixei de fazer e apreciar tantas coisas boas no período, apenas uma coisa boa eu pude notar, talvez duas, pra não ser mentiroso, no final de tudo: a primeira, é que apesar das desventuras, parece que continuo o mesmo bonitão de sempre, alto, forte e simpático, que ainda atrai olhares quando sai pra dar a tal voltinha no calçadão. A outra, é que, vejam só, no final das contas, eu não consegui mesmo barrar os velhinhos nas caminhadas, mas já ando junto com eles, o que é um formidável progresso , e até fiz algumas amizades na turma nos últimos tempos.....

Mas depois de tudo, como tudo que é trauma, sacrifício e desespero nessa vida, ficou também uma mácula insuperável, que eu espero saber resolver daqui pra frente, quando aqueles mesmos amigxs ratxs de academia vierem novamente chegar junto pra me chamar pra alguma sessão extraordinária de fitness ou me darem suas miraculosas dicas de shape : eu ainda não superei o ódio entronizado de uma certa dieta , em especial, e espero não ter que lidar com isso novamente, para o bem de todos: eu simplesmente não consigo manter a calma numa conversa quando alguém me vem falar de peito de frango com batata-doce.