O infinito que nos massacra

"O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora" (Pascal)

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Desviar sempre o olhar do infinito
                                      esse maldito presente
porque não quero mais
me perder de mim

Quem, ao resto do finado dia ainda hesitaria
por derradeira agonia lançando ao largo seus pedaços

expulsando de si completamente o  mal
ao abdicar feliz de se tornar imortal

Que me importam as distâncias que não posso medir

O tempo

que passa a não mais existir
                                                 e todas essas grandezas incomensuráveis?

Isso tudo para mim é nada
Um segundo fruído inteiro
nos braços da Terra
é mais que os incontáveis anos
que polvilham o ermo

                                                 Isso tudo pra mim é nada!                                               
                                                 porque transcende qualquer concepção humana
                                                 e a infinitude de tudo que há, o sem- limite
                                                 é mesmo como se não houvesse
                                                 é como se nada mais existisse

Olho fixo o vazio do céu noturno novamente e é como nele me perder,  como se tudo que sou, tudo que fui , e tudo que eu pudesse ser, deixasse uma vez mais de poder, contemplar tamanho vazio é tornar-me também um vazio como alguém à beira do poço morrendo de sede, que  repetidamente baixasse o balde para beber e ele sempre voltasse oco de águas, é como desaprender a ver porque ver pressupõe a energia que parte de mim em direção ao mundo e o mundo como se tivesse alguma obrigação de piedade para comigo me lança de novo um tipo de olhar, seja de admiração, seja de compaixão ou desdém, e é sempre através desse olhar que me vê aquém ou além mas me situa em algum ponto possível que me passo a compor ou descompor em versos, em carne em sustos, mas se olho para a imensidão vazia da noite assim sem lua chamada também noite plena de estrelas e aquele todo  silencioso e fulgurante que pulsa aos olhos não me traz à luz espelhos d'alma desconfiarei sempre de que não tenho mais sequer uma alma ou quem sabe nunca tive de todo modo um olhar perdido o que me restava era apenas desperdício de energia valiosa que poderia ser  utilizada em outras direções

Perceber a imensidão desses espaços vazios que nos atordoam
não é como tanto se quis apenas um exercício de humildade
mas pressuposto que traz em si o germe maldoso da eternidade
como se pudéssemos abrir mão do instante
em prol de uma outra felicidade

Contemplar o vazio é o exercício de tornar-se também um vazio
voltemos nosso olhar para o que nos toca a pele, o que nos toma o olfato
para tudo aquilo que nos enche as mãos desse tipo humano de prazer
que o resto da natureza ainda não tem noção sequer do que poderia ser

Quero contemplar a morte, saber da morte, tocá-la de perto
e compreender que, quanto mais se aproxima de mim
pelos poros, pela pele, pelos olhos
mais a vida me toma pelas mãos

Um olhar que aterriza, que busque o sentido do chão
uma ciência que não aterroriza, porque sabe dizer não
uma arte que transcenda, ao buscar a imanência
de um humano que não seja em si mesmo
a negação da sua própria essência

O olhar do ínfimo, é o que pende buscar
retomar as grandezas do mato
os perfumes do dia
se ainda queres ser poeta
e mergulhar nesse barro essencial
do qual todos fomos criados
descobrir toda hora, verdadeiramente
como o explorador que sabe ao mar
que conhece o vento mas não
o humor das tempestades

Descobrir, assumindo a potência pura do verbo
e não apenas (re)descobrir
como se já soubéssemos de antemão
alguma verdade revelada guardada para nós
o gosto indefinido entre o acre e o doce do suor
a cor não bem-cheia do púrpura entre o vermelho e o azul
todos os tons que compõem o amarelo do ouro
mesmo quando ele não se quer mostrar
e cobra  alto preço por existir

Trazer de volta esse olhar perdido
reconquistar  com carinho e malícia
o cerne do espaço
para mais perto, mais perto
novamente, reiteradamente, sem cansaço
ensaiando novas núpcias
com o tempo
desvelando o fino véu da vida
e por baixo dela

                  a tez macia da Terra