O umbigo do universo

A arte suprema de ainda ser leve
diante de um mundo em escombros
será que tirando o peso dos ombros
mirando apenas meu próprio umbigo
fechando os olhos, virando as costas
fingindo que estamos sós neste planeta
a gente consegue?

E se conseguir
terá valido a pena existir?

A resposta contraditória e dolorida
não é pura matemática
porque é feita de vida
e já se sabe logo qual é:
tem que valer a pena

Mesmo que o mundo diga
o contrário

Porque o peso do meu olhar
não torna mais leve o fardo
de quem sofre
sofrer junto não vai aliviá-lo
da sua legítima dor

O espírito condoído
por mais que seja honesto
por mais que tenha razão
não faz com que as bombas
deixem de estourar
na cabeça dos mais fracos

A mente que deixa de ser crítica
deixa de exercitar sua melhor saúde
na força, na convicção intrínseca
de mudar o mundo
o corpo que desiste do embate
seja pela pena, pela tinta, pelas veias

Absorvido em sua própria dor
não coordena energia suficiente
para superar o âmago do que
lhe toma as vistas

Não se trata jamais de não querer
salvar o mundo
o problema é mesmo
que o mundo não pode ser salvo
quando compreendemos que
a dor, a tragédia, a fome e a guerra
não são exceções, mas a regra

E não cabe ao poeta resolver o problema
em si, mas denunciar, vivenciar
repudiar, testemunhar
e com isso modificar a forma
com que as pessoas percebem a vida

O egoísmo criativo, tornar-se umbigo do universo
não é alienar-se da vida, mas ao contrário
cair de ponta cabeça no meio do redemoinho
e deixar-se tragar pelo motor dos eventos
sem saber bem onde começa ou
aonde irá terminar

Esta, sim, a verdadeira resposta à pergunta

"valeria a pena existir?"

Sim, e arrisco dizer:
agora é que vai começar o jogo