A Pescaria

(Filme: "Peixe Grande", Tim Burton 2003)




Contar e encantar: viver por duas vezes
Tudo que é humano se fundou
ao som da própria voz
Este homem tem quase três metros de altura
 o rosto deformado
e um tamanho inútil ao olho tosco
do capitalismo
E o trabalho da imaginação o faz um gigante
imbatível, amável, poderoso fundador de reinos
Este anão é apenas a vergonha dos seus
e o mundo não lhe dá valor
A estória o transporta a uma terra distante
onde justo sua pequena estatura
tornará possível adentrar a fechadura
para um paraíso escondido
que alberga tesouros
Essa criança é pobre e franzina, 
e tem dificuldades
de fazer novos amigos na escola
Uma boa história lhe dará asas
comida e roupas novas
e ela falará de igual para igual
com multidões encantadas com seu canto
dom que descobre quando se permite
sonhar
Esse homem deseja o mundo
e torna-se infeliz ao saber que o tamanho do seu peito
é igual a tudo aquilo que amou um dia
mas por artes da existência e apuros de agonia
não conseguirá viver em uma única vida
mortal e dividida
todas as histórias que um dia quis
Protagonizando sua própria história em perspectiva,
ao fundar  assim uma narrativa
compreenderá que ainda que não possua tudo que deseja
ao mesmo tempo
achará alguma maneira de ser feliz
e aprenderá, mais,
que nem sempre se pode possuir a vida
como uma coisa, um objeto,
porque a vida é muito mais uma inspiração
um sentimento 
que nunca falta se não se tentar aprisioná-la
Aquela mulher está triste e chora
suas lágrimas não são notadas
porque ela esconde seu belo rosto do mundo
Os versos lhe farão justiça ao colocá-la 
no devido pedestal
--não uma deusa, não uma virgem vestal intocada--
mas num lugar do palco aonde o facho de luz
incida de forma natural
sobre sua pujante humanidade
a refletir seu  brilho próprio ao redor
[sabedoria de cristal]
revelando por espelhos espalhados
o quanto ela tem de beleza
e o quando o mundo daí em diante dependerá dela 
sofregamente
para existir em poesia