Bunda


A maldição de sermos tacanhos
numa civilização colonizada por estranhos
Seres artificiais que negativam o corpo
vitaminam a razão e escravizam o gesto
em nome de um "o-quê-que-há"
sempre além
O belo jamais pode ser dito
porque é pecado
(nos disseram os homens)

Uma palavra, a essas tristes criaturas,
uma oração de remissão, ainda em tempo:
BUNDA
assim, em maiúsculas, caixa alta
com todo seu poder
toda a fragilidade
toda a beleza do nosso supra-sumo 
animal

Nossa estética primal
(quando você olha alguma coisa, alguém ou um lugar
e dá vontade de morder, pegar com a mão,
dar um beliscão, um tapa, ver se é de verdade)
o impulso incontido de ser sem vergonha
e assumir nisso uma condição existencial
essa capacidade grandiosa que nasce incorporada
em qualquer criança
e sofridamente vai mudando
à medida em que nos adultizamos

Bunda, palavra ritual
onde até o som é gostoso
fetiche, desejo, brinquedo
a estética perfeita porque ingênua
em sua malícia natural
a almofada preferida
que nos acompanha em tantos sonhos
o estilo latino que nos instila as veias
o biquíni de lacinho na praia
o arrepiozinho de frio na pele aveludada
a cintura fina tão brasileira
carne rebelde e lúdica
intoxicando o mar de tanta vida
a pimenta que movimenta as danças
mais atrevidas
quando a esperança contemplativa
torna-se  mais,
e a um simples olhar traz tanta paz
alento, prazer

contra tanto sofrimento