Húmus

As mãos na terra
unhas sujas de barro
chuvada boa de ontem
mergulhando no meu jardim
perfume de grama cortada curta
Buganvílias, cravos e alecrim
unhas sujas de húmus
alma limpa e longe


Enfio a mão na terra
-- assim, mãos nuas
porque não gosto de luvas--
penetro mais fundo
pra sentir o verdadeiro gosto do chão
a terra sente e se abre, quente e doce
em suas espirais

Minhocas assustadas pelo inusitado
seus anéis girando pra digerir o barro
retiro carinhosamente uma a uma
 e as deposito noutro canto
--alguma destas pode ser
um primo já falecido quando criança
pode ser Napoleão ou um rei antigo  de França--

(ou quem sabe apenas
 mais um delírio qualquer
alimentado pelos budistas)

Me volto à Terra, ao cheiro
fecho os olhos e aspiro forte
o perfume ferroso
de folhas fermentadas e mineral
pego punhado de terra nas mãos
sujando até os braços
amasso, vejo-a se dissolvendo
ainda úmida
espalhando-se deliciosamente
entre  os dedos
no final, fica sempre
um pozinho brilhoso
na palma
pozinho de metal
a poeira de nós todos
que já fomos e voltaremos
a ser estrelas
segundo o querido Carl
[Enquanto isso
alimentamos jardins]

Quanto mais à terra
mais me perco
(mais me acho)
procurando debaixo
das pedras da grama
do esterco
a revolução silenciosa
que explode despercebida
sob o concreto cotidiano
esse movimento em vida
que me seduz
o momento único no tempo em que
cada semente larga a velha casca
e como nova planta sai à procura da luz