Cigarras

O tempo cigano
enrustindo-se fora das horas
apenas pra ver
o dia passar

Nada fazer. Só contemplar

E essas cigarras vêm nostálgicas
quando o calor se agarra
e as primeiras chuvas engrossam

Algumas zumbizando soprano
                                 outras contralto

Uma de timbre tenor explode em metais
a uns dois metros do meu ouvido, aqui
bem no pé de laranja do quintal atrás

O garoto chegava do mato com aquelas carapaças perfeitas e translúcidas
dos bichos.
Umas gigantes, redondas
Outras mais fininhas, esverdeadas
Olhos monstruosos, em desproporção
Com o corpo

O relevo perfeito daqueles bichos
Em moldes que denunciavam alguma
forma de vida há pouco fugitiva
daquele esconderijo

--carapaças ocas e vítreas, como
pequenas casas de cristal
sem ninguém morando dentro
 (Elas cantam até rebentar
--Dizia minha saudosa avó)
(Raça de bichos artistas, esses.
--O garoto pensava)

E elas continuam cantando forte
Sabendo em si que cantar é mesmo a coisa
mais urgente a fazer na vida.
Dar a vida pela música:
(Minha avó não sabia ciências,
apenas magia)

É primavera, ainda
--recém-inaugurada,
mas o chamado desse canto
visceral é de verão
E elas chamam direitinho
a chuva, que sempre vem
em seguida

Escondido sob telhas de barro
vou vendo a água descer solta
enquanto o cafezinho bom
coado agorinha
aquece o peito no final de tarde
Felicidade? Sim, felicidade
Em gotas largas
como chuva de verão