Germinal

para Émile



Da primeira vez, o nada
Da segunda, o silêncio
--água, luz e lua
o quarto ermo e largo
sementes túrgidas
como grávidas prestes a parir

A terceira noite veio com tudo
eloquente e mordaz
madrugada adentro
o ensurdecedor da raiz
rompendo o invólucro selado
explorando o núcleo abstrato de algodão

Como o feto que chuta para sair
a ave que quebra a casca do ovo
a cria da cobra, que nasce mordendo
a face do abismo
entre a vida e o limbo
tremendo, rasgando, partindo

Do ser a quem se dá a chance de brotar
colhe-se muito mais do que se plantou
dos tantos que são ceifados antes da hora
pela trágica lida que impede a memória
inocula-se a vida um veneno amargo
e a um pesado encargo condena o devir

Mas ainda  sorri, como o João, da Fábula
o olhar incrédulo sob fragmentos de lua
a desenhar contra a branca parede
um galho, uma garra, uma verdade crua
um tigre dentes-de-sabre
os traços góticos de um pequeno milagre

Aquela macega branca em nuvem úmida
nariz pra baixo, rumo ao centro da Terra
insistente como o que erra à mão lavada
e no entanto cava como quem tem uma visão
radiculazinha ainda tímida, mas obstinada
refutando luz pra cavalgar solidão

Na madrugada , levanta-se o caule
exibindo força ao soerguer a pesada cabeça
expulsando de si a própria casca
como se vomitasse sua essência
capacete e carapaça, um cavaleiro retornando à vida
ele salva a ferida no lanho da semente

Em poucos dias o grão arvora-se em folhas
abandona para sempre a senda discreta
a pequena planta exibe-se e só é completa
como nunca se viu antes, em uma ambígua compleição
a raiz em razões pivotantes
os galhos refugindo ao chão