Bem-Bem

Lá vai o doido descendo a rua
Bem-Bem na sua voz rasgada
o juízo leve e as gargallhadas
exageradas
a denunciar a presença do menino
de cinco ou seis anos que se encastelou
na cachola
e de lá nunca mais saiu

Bole com os cachorros nos portões das casas
-- Uns já o conhecem, lambem a mão,
se animam na sua presença --
Outros, sem a menor paciência
ameaçam pular no pescoço
[cachorros por profissão]
uma zoeira dos infernos e a rua já sabe

A rua sempre sabe a hora que
Bem-Bem sai pro passeio
Já voltou da escola, já almoçou
na casinha  baixa de portão branco
do fim da rua
onde sua mãe cuida de tudo

Já fez a sesta, agora a festa
Faz perguntas sobre tudo a todos
que vai encontrando pelo caminho
Não fosse o físico de aspecto sofrido
de um homem calvo aí pelos quarenta e poucos
O rosto enrugado, a boca de poucos dentes,
Passava por uma criança qualquer
descobrindo  o mundo

Em sua exploração diária,
vai até o começo da rua, na esquina
da padaria
Limite do seu mundo conhecido
Mais ao longe a outra praça se estende larga
e o trânsito domina tudo

Ele para, olha, ri
cumprimenta os passantes
e logo repete o trajeto de volta
Mexendo novamente
com todos os cachorros da rua