O aprendiz

Meu pai trabalhava quando criança
Ainda bem pequeno, acordava cedo
Aprendiz de cutelaria, caía na água fria
pra tirar o couro e esconder o medo
do seu próprio pai, sempre enfurecido

Semblante melancólico e hiperativo
Franzino, de ar sempre medido
Amargou tanto tempo a infância perdida
Que vira e mexe, depois de crescido
Criançava para retornar à vida

Meu pai trabalhava duro todo dia
ainda antes de sair pra escola. De pouco
lhe valeu, a esmola que ganhava por isso
era mais um  desperdício de alegria
Levado no chicote da obediência

Esquecido nos porões da  negligência
"Educar os pequenos pelo trabalho"
Os pés, as mãos, o rosto calejado
Caminho de fogo agindo ao contrário
Doutrina de dor pedindo esquecimento

Soergueu-se ainda assim por engenharias
lavrando o eito em elucubrações de utopia
ao grau obtido em noite de formatura
abandonando a vida dura pra nunca mais
dedicou sua homenagem aos velhos pais

Perguntado ainda hoje, sobre aquele tempo
o pai, já bem velho ainda tenta  achar
a lição de consolo por toda a agonia
o retrato da vida, que demorou a amar
Repudiados o santos e todas as fantasias

Depois de tanto sofrimento
alguns que até lhe valeram  um rim
ele, que venceu tantos demônios
para não se tornar  um homem ruim
esboça no rosto uma lágrima carmim