Sessão da meia-noite

Risos abafados sob lençóis
quatro cabeças escondendo-se no escuro
clarão súbito, 
o estouro do raio
-- silêncio --
o tremer das janelas

salta um pra buscar a vela
não vou. Nem eu. Também não.
eu vou

tempestade extinguindo as luzes da casa
riboando pelas paredes, tremendo todo o chão
o vácuo da cessação do som, após o trovão

natureza em suspenso
não se ouve um pio
molha os ouvidos o rumorejo do rio

no piso frio, pés descalços deslizam
sorrateiros

sobe-desce escada, achar fósforo e candeeiro
sobre os veios das mãos o relevo da vela
o cinema projeta sobre a tela um novo filme

dinossauros, lobos e caretas surgem na parede
essas criaturas que rugem e mordem a noite
encantam pequenos seres na sala de projeção

de vez em quando um pingo de cera quente
picando a pele fina da mão

narrativas de aluvião, castelos erigidos no ar
deuses e guerreiros contra a luz da lamparina

um lençol estendido de lado a lado vira cabine
risadas abafadas de quatro pares de olhos insones
no silêncio da noite longa um candeeiro se exibindo

nas mãos a direção de cena
o  enredo e o figurino
monstros interiores, projetados no lençol
tornam-se familiares e digerem todo o medo

é manhã bem cedo, quando o sono vem surgindo