Filosóficas IV : Águas rasas

Turvar a água pra parecer profundo
Arte de poço raso que calunia
o mundo

Hegel e a leitura da história:
o básico , transformado em teia
inexpugnável

Creditar a uma trava de linguagem
e a infinitas remissões vocabulares
que giram, tontas, circulares, atribuindo-se
um sentido (por si) mais profundo
como se hermetismo fosse valor

Diz-se a coisa dizendo
ou se diz não-dizendo
(silenciar é também comunicar)
ou, quem sabe ainda
não-se-diz dizendo
(falar é um jeito de calar)

Não há como não-dizer
não dizendo, quando se
teoriza sobre o pensamento
seja científico
seja artístico

Há uma positividade no conhecimento
do mundo, que é perpassada, repassada
legada e o tempo inteiro transtornada
pela linguagem

A aranha desfiando
para incautos
uma mitologia fechada
que só encontra saída
em seus próprios códigos
como se a lógica fosse resposta

Não refutar,
(todo refutar é ainda estar no âmbito de,
na presença de, aceitar os termos e
valores de)
todo refutar é quantitativo

Não refutar, por cansaço e prudência
como todo aquele que divisa um outro limiar
apenas furar esse muro,
romper o ciclo
viciante , cegante, obtuso, erigido
à suprema razão histórica
por uma simples questão de óculos

A vida é caos, força e apropriação
que dá significado, sendo o sentido
algo completamente aleatório
transitório, fluido

A contemporaneidade, redentora
em seus desatinos, seu puxar-tapetes
seu andar na corda de abismo
seu desaparecer o firme sob os pés

Há uma beleza avassaladora nisso
Precisamos nos elevar a essa vivência
Não há nada que reste incólume no
território da razão e seus puros

Filosofamos muito mais pelo estômago
que pelo cérebro, mais pelo coração
que por qualquer plano contínuo

Não há sentido que dorme, esplêndido
esperando ser apropriado por
qualquer veia dialética

Não há verdade alguma em quantificar
forças qualitativamente diferentes,
reduzindo-as a simples contrários

Nem ha´a menor sombra de racional
sobre a realidade

Exceto o que ele mesmo projeta

A mosca se debate, exaspera-se
O quanto todos fomos moscas
uma hora ou outra

A morte da filosofia se deu por jogos
de palavras: sigamos o cortejo!
Há nas palavras muito mais que
a busca da verdade

Não há método que garanta a verdade
senão a construção de uma verdade
por sua própria incapacidade de ver

Roga-se a Hegel, que pelo amor dos deuses
deixe Kant definitivamente em paz