Terra queimada (Réquiem para dois rios)

Para Said Esber




I.


Não adiantou o sinal da brisa quente
Ver no prado a seca se instilando
Na lembrança
os dedos vivos da  grama
ainda sem se saber extinta
Para pura contemplação dos olhos
enternecidos

Não adiantou perceber aos poucos
o vento cáustico sobre os eucaliptos retorcidos
Suas bocas secas chupando sobras de umidade
na profundidade do chão
A essência perfumada e exótica
trincando o solo deserto
Dissipando nuvens de insetos

Extinguindo as fontes pra prolongar a sede
Rareando as cores pra premiar as cinzas
Invadindo as matas pra expulsar nativas
Desertando o úmido pra proliferar o seco
Agressivo e vitorioso como a civilização
Trazendo em seu bojo a morte do chão

Não adiantou armar-se de todas as defesas
e ainda ver deitada à mesa a ausência do pão
A miséria da ciência recalcitrante e esquiva
cortante e decidida como  os lanhos do tempo
sob as raízes do cabelo descolorido
na fronte dessa mulher que chora

Não adiantaram as premonições
quando o vácuo habitou o ventre do filho doente
e o leite mirrado secou antes do tempo
Quando a lavra deixou de crescer
sabendo o solo que sua substância era incapaz
de nutrir qualquer planta
E ao derredor surgiram mais espaços vazios
do que verdes, mais ervas daninhas que grãos
A crosta de solo fraturado multiplicou-se
por todo o campo semeado

De pouco valeu prover o arado
das suas afiadas lâminas
quando a cegueira dominou as mentes
e as estações se reputaram governadas
pelo humor variável de algum deus
(máquina que em algum momento se perdeu)
muito além de qualquer vontade humana

Não bastaria  ao que é humano
enveredar-se pelos campos
com uma nova bandeira na mão
envenenando a comida
Como se houvesse salvação
depois da sombra estendida
Não extinguiria as dores promessas
feitas pelos homens
Não extinguiria os prantos um paiol de fomes
abastecido por safras seguidas
durante anos de matança

Quem garantiria à futura prole qualquer esperança
se a vivência rasa a consolidar maldições
extirpou inteiramente do espectro das nações
a capacidade de se imaginar um outro
Mais, imaginar-se  um outro capaz
de sentir antes do tempo da ação o movimento da própria Terra
Um outro capaz de conviver em harmonia como
se fizesse cessar a agonia no desatino de quem erra



II.


Existência lesiva a todas  as formas vivas
Nem os milênios de tecnologia bastaram
Somos, os humanos, como uma praga
Ciência, conhecimentos vários
Jamais habitamos com harmonia
o espaço conquistado
Somos como a nuvem de gafanhotos
vorazes, que tudo destrói em sua loucura
ou quem sabe um vírus estelar
sem um inimigo à altura

Nossa indústria, nossas cidades
Nosso comércio predatório
Nossa forma de maquiar
as superfícies
e esconder os subterrâneos
Desaprendemos dos índios
a habitar sem ferir
Nosso cultivo é a chaga mais viva
a testemunhar uma derrota coletiva

O lavrador cava o chão
mesmo sem ter garantida a safra
Ele continua  porque é da sua natureza
cultivar, mesmo contra as trevas
Foi o que fez seu avô, seu pai
Acredita ainda na terra, ele a sente
como força ancestral e inextinguível

Não sabe (e nem lhe avisaram)
sobre o terrível, que se escondia
em uma falsa noção de ciência
A ganância insidiosa sob a química
a bandeira da colonização estendida
O desprezo à vida, por um alto preço
Ele crê que estará tudo bem
desde o começo
e atesta sua vã inocência
seguindo o que lhe foi legado

Pela indústria que decide o traçado
metabolizada em novos nomes
As mesmas velhas potências
que reservam para si o paraíso
exportando sob falsos sorrisos
as outras formas da doença

Bayer, Basf, Dupont
Syngenta, Dow, Monsanto
O canto da morte entronizada
banal e cotidiana
amaciada pelo senso comum
de um campo pouco ciente
Os cães-de-guerra cuja renda
é a mesma que financia a bomba
São eles os que vendem o veneno
E também os donos das sementes

O agricultor não desiste
Ara, planta, irriga, colhe
usando todo tipo de recurso nocivo
sem saber que contamina o caminho
e mancha seu próprio passado
Quando muito, muda o plantio
muda o grão,  muda a época
da semeadura ou a forma de cultivo

Surpreende-se, depois de décadas
usando as mesmas técnicas
quando vê o lago desaparecer
as chuvas mirrarem, o brejo morrer
Aonde meras justificativas já não bastam
Reza, agora, para Deus interceder

Ensinado pela cartilha errada
ele não ama a terra como o índio:
incondicionalmente, na eterna
remissão ao ventre materno
Terra - começo e fim -
Ele vê o índio como inimigo
e a terra como meio

Apenas um  amor de índio
saberia a terra (salvaria a Terra)
ao restabelecer o olhar ao que é
Um ser poderoso dotado de vida
Pois ela está lá, antes
que o que ama
possa saber de si, ou
tenha sequer ciência de que ama
ou do que ama

Terra-mãe, o sentimento herdado
da identidade que condiciona o gesto
da concretude que beira o abstrato
Amor não realizável em veios
de vales enregelados
E  impossível de ser relegado
uma vez  conhecido -- porque dele somos nascidos
em tantas e arraigadas gerações --

Recuperar a visão perdida
(dessa unidade primordial)
Ama a terra , o índio, como coisa natural
a terra e seus rios, as montanhas e pradarias
os animais, e seu direito à dignidade
tudo pulsa, tudo soa sagrado
Uma mesma entidade:
humano e selvagem
sem natureza exterior

A liturgia no trato com a vida
que nossa rotina esmaga sem cessar
Não há hierarquia entre os vivos
Em algum momento todos fomos índios
e celebrávamos os ritos da colheita, da fertilidade
Já estivemos em maior união com o universo
e existíamos como potência sem precisar dizimar

Reverter a civilização como processo nefasto
Tornar-se índio em princípio, em essência
porque -- ser índio -- é reaprender a ver
Reabitar a terra como nova semente
e broto e nova planta em potência
para um outro mundo, -- não fora deste
Um mundo gerado no núcleo deste
próprio mundo
e a ele vinculado umbilicalmente



III.




Nada estanca o inverno
quando a ausência do sorriso desola
e nem nos consola saber que ele não será eterno
O inferno, foi o que vi, quando lá voltei
e nos rios onde outrora mergulhara, eu
e tantos dos meus,  índios de todas as peles
(batismo das águas claras)
celebrando o sabor da vida nos braços
das cachoeiras mansas, riachos de colchão
Celebrando sem ocasião o púrpura das estradas
ao recém-sair do sol

Foi ali mesmo que amarguei toda desgraça
ao contemplar os secos bancos de areia
As costelas de pedra cravejadas no leito
cada vez mais seco, como o leite no peito
da mãe desnutrida, que sem se alimentar
deixou de reproduzir a vida
Apenas um fio d'água, raro
ou o que quer que fosse aquele líquido
grosso, denso e cinzento
a correr pestilento sob um inclemente céu

Diante da paisagem cruel
Tentei  recompor as águas com minhas
mais sentidas lágrimas, e por horas,
por dias , nada havia que cessasse a dor
de meu pranto. O encanto, sim, o encanto
que me tocara a fronte quando menino
quando nas duas rodas navegava intrépido
por todas as redondezas
O espírito aventureiro a espreitar belezas
de cachoeira em cachoeira
tudo isso sumira num susto
na clarividência do terror

Há, nas águas,
algo de intrínseca magia
Nenhuma vida existe sem ela
E é tão fácil ver como a coisa toda se inicia
Um pingo, uma gota, uma goteira
despejada contínua sobre o piso, o teto
sobre um pedaço de madeira
Em poucos dias haverá ali algo verde
plânctons, líquens, pequenos seres se remexendo
Em seguida, haverá outros maiores
emendando-se na fonte mais forte
ciclo após ciclo
o líquido que insemina

O impacto daquela terra queimada
minha própria terra, parte da minha história
que se perdia dizimada agora
Os lugares onde mergulhava depois
de jogar bola. Explorava,
escalava, mergulhava,
me imiscuía nas profundezas da terra
Águas geladas e espumas brancas
sobre o fundo verde em movimento
As tardes em todas as suas veleidades: campo liso
sol berrante, águas dissonantes e a bênção
de todo-o-verde, eu estava vivo e não sabia
da proporção daquela força que me invadia

Que fizeram, que fizemos?
O que faremos agora?
Atenuaria tanta angústia saber de um punhado
de humanos, destacados em achar propostas
concentrados em seus nobres intentos
e não desistindo até ver uma saída

Aonde estão essas gentes que no cotidiano
acabam com tudo, sua própria existência
Gafanhotos estelares,
esse vírus letal que se reveste
de nossa própria carne
que se estrutura por nossos próprios ossos
Sendo nossa permanência no planeta
um puro ato de agressão
em todas as suas infinitas possibilidades?

Que saídas seriam por nós, se a maioria
sequer parece ter tomado ciência do
problema, e se o próprio fato de
habitarmos esta casa passou a ser
a evidência inafastável de sua
mais tenebrosa ruína?

A memória do lugar me perseguia
(até nos sonhos depois desse dia)
Aquele rio ali, este mesmo  onde
o porco chafurda o resto de lama
o rio -- o que restou dele --
donde agora não conseguimos
mais tirar os olhos do desespero
e a muito custo conseguimos permanecer
na beirada sem que a náusea nos derrube

Era aqui neste mesmo rio
que eu soltava meus barquinhos
nas cheias,  tá vendo lá aquela margem
marcada de barro no postigo
da antiga linha ferroviária? pois é lá
que a água batia nas cheias,  -- eu vi
e o poderoso rio barro
se descontinha em suas forças
arrastando tudo no caminho

Vê  aquela pedra grande
no canto? debaixo do rico bambuzal amarelo?
era lá que pescávamos todo
tipo de peixes, bagres, carás, lambaris
e alguns ainda arriscavam mergulhos
nos tempos de maior calor,  vê
o charco raso e miserável de
tanta lama a queimar as narinas?
Havia pássaros caçadores, Martins,
havia Seriemas, Saracuras-do-brejo
e mais todo tipo de animais que habitavam
as margens

Que fizeram a ti, terra amada? que fizemos?
quão tarde chega
a notícia trágica de que fostes profanada
sem qualquer cerimônia ...
As cidades em suas redomas tristes
e alienantes atropelam a vista,
dificultam a solução

Que atos assassinos repetimos
continuamente, sem qualquer pudor, como
se não existisses, como se não pulsasses?
Que fazemos ainda, esta
nossa triste raça, que desgraças tomam
nossas mãos, nossos pés, nossos destinos
que, para conseguirmos habitar esse espaço,
temos necessariamente que destruir
envenenar, assorear, esvaziar o viver de
todas as suas chances ?

Busquei o inverno ainda sem saber
pois o que me surgiu no caminho, esse
frio nos ossos, era muito mais frio
muito mais ermo que qualquer estação
Na ausência das chuvas
a trágica realidade secou qualquer esperança
e os esqueletos malocados sob os leitos
agora exibiam seus espinhos salientes
O que sobrou? o que vai sobrar?
Chorava, ainda, porque -- muito mais
que as fotos que me mostraram --
a realidade pujante da minha presença
na curva do antigo rio era muito mais desoladora
Chorava, mas todo pranto é  pouco: as chuvas são cada
vez mais escassas e as lágrimas, -- mesmo
tão sentidas e volumosas -- não  encherão os rios
novamente



IV.




As montanhas de plástico reverberando o acre azedume
Os restos de lixo da cidade, caminhões e mais caminhões
Matéria orgânica descartada, tudo o que não tem valia
lançado pela boca aberta do mais novo monstro

O lixo gorgolejando morro abaixo, até a margem do rio
as crianças catando o que sobrava na superfície colorida
Vinha enchente, uma vez por ano, mês de dezembro
levava todo aquele plástico por quilômetros de rio e areia

A Volta do Lixo, o lugar mais escondido da cidade
A vista bonita, a cachoeira larga antes de se tornar aterro
Todas as propriedades da região ,as cercas enfeitadas
de garrafas e sacolas plásticas, restos de retalhos em cores

O gado sem o pasto, todo tomado pelo lixo e  lama ácida
Meses sem nascer grama, apenas pássaros resistentes
enfrentando as rasas lagoas, nuvens de mosquitos
recém-nascidos incorporando seu novo território

Restolhos do matadouro na ponta da represa, tingindo
o que restava do rio com seu mais maléfico cheiro,
o desgosto escuro daquele gelatinoso vermelho
uma salobra nuvem de desespero nos dias quentes

Lembrava-me , desolado, de que ainda na primeira infância
já havia sinais de que o processo todo era inaceitável
Como foi possível seguir sem saber, sem a gente se mover
e deixar tudo como estava, sem revolucionar, apenas deixar ser



V.




Déia minha vó
já não me acompanhava mais
nos passeios sobre o morro
Eu ia sozinho, mesmo sem permissão
É porque quando só, mantinha comigo
o segredo tão bem guardado:
a velha arte de desaparecer

Subia no pé de abiu, na beira do abismo
e de lá espreitava a ponta do lixão, embaixo
O cheiro insuportável, alquebrado apenas
pela larga ventania que corria o vale
sempre soprando a meu favor

Aqueles moleques, eles sempre diferentes
Os mais velhos, com seus pais, irmãos
revirando os monturos atrás das miudezas
as meninas e suas bonecas sem cabeça,
eles juntavam pedaços de coisas quebradas
De-comer, objetos de decoração , bugigangas para trocar
sempre alegres uns com os outros, como se estivessem
numa longa noite de natal

Aguardavam, ansiosos as levas de caminhões
que chegavam sem cessar, três por dia
manhã cedo, depois do almoço e à tarde
e era sempre o motivo de um rebuliço
Achar no lixo a novidade, a surpresa
Ter na mesa mais tarde algo pra comer
Ter no terreiro brinquedo novo pra brincar

Os pequenos, como eu,  em invenções sem fim
De ao-longe, eu observava aquelas criaturas
dentre minhas folhagens encobrindo tudo
Um monte de moleques brincando no lixo
Os pequenos se divertiam com a bagunça
anestesiados que estavam quanto ao cheiro
insuportável, porcos e cães espalhados por ali

Eles gostavam mais dos porcos que dos cães
Alguns os tinham como animais de estimação
Amarravam cordinhas nos seus pescoços
e os puxavam para todo lado, corriam com eles
como nós fazíamos em casa com os cachorros
Eram tão estranhas a mim e ao meu mundo
aquelas crianças, que foi apenas depois que as vi
que pude descobrir quem eu realmente era

Seu mais novo playground, eu sem entender direito
Eles achavam um carretel e logo virava carrinho
E as tantas coisas descartadas iam tomando formas
de  brinquedos que eu nunca imaginei possíveis
Era como se nada daquilo existisse, e o impensável
para qualquer um de nós fosse, na verdade, o
comum de suas rotinas
Sua realidade era invisível para eles
Como -- vim a saber muito depois --
a nossa também era para nós

Muitas crianças com feridas na pele
os olhos sempre irritadiços e vermelhos
lacrimejando, talvez por conta da fumaça
constante da queima de lixo
Os cabelos tantas vezes
desgrenhados. E ainda riam!

Eu os observava, um espião encoberto de folhas
e muitas vezes assimilava seu brincar curioso
Repetia, bem ou mal-sucedido algumas tramas
e algumas formas remendadas de seus projetos
Umas latas de conserva viravam caminhão-baú
Aros soltos de bicicletas velhas viravam rodas
sempre tocadas com varetas de metal pela planície
Apostavam corrida, no intervalo dos caminhões
pela empoeirada estrada, a linha do trem-de-ferro
agora transformada em via de terra batida

Logo mais, à tardinha, quando o vento já virava frio
e eu podia sentir na espinha o arrepio da asma
já querendo fazer morada no meu peito chiado
A hora em que eu lembrava o povo lá no meu terreiro
do outro lado do morro, berrando no quintal:
Aonde é que tinha ido parar aquele menino
nesse mundo de deus?

Mas eu não descia antes de contemplar os urubus
que voltavam à tardinha pra ver o que sobrou
As criaturas do lixão iam separando a lavra do dia
Colocavam tudo nuns carrinhos-de-mão velhos
caçambas  improvisadas de madeira mal cortada
Os tubos quebrados de televisão, armações de metal
alguns iam com mochilas de sacolas improvisadas
e desciam pela estrada, sabe lá pra onde
esperando o outro dia  recomeçar



VI.


Café, Poção, Prainha
Vila do Sul, Vila Machado
e a linha antiga do trem
a água limpa antes dos limites
da cidade
Destino das incansáveis bicicletas
nas tardes de verão

Mais além, quando surgiam as casas
apontando na curva os traços
da civilização
Eu vi os dois rios da minha terra
sumirem, aos poucos
e sua ausência ser notada ao mar
Um deles, o Conceição, já apodrecendo
durante minha infância
-- e eu sem me dar conta --
O outro, Rio Alegre, título irônico
que ainda me dói na lembrança

O primeiro já agonizava, atolado
no coração da cidade, dejetos
e todo tipo de rejeitos
Eu acompanhava , boquiaberto
as manchas de óleo e gasolina
sobre sua superfície,
púrpura, verde e azul, amarelo
e achava aquele arco-íris de destruição
algum tipo de manifestação do belo
Os lambarizinhos e filhotes de girinos
que vinham à superfície, próximos
da mão do menino, as bocas abertas
Não estavam ali para me saudar
[como nos contos de
Hans Christian Andersen ]

Eles estavam morrendo e buscavam ar
Eu, menino, via as cores do óleo
como um caleidoscópio fino
Imaginava alguma mágica da própria água
algum jogo de peixes e algas
desdobrando-se em maravilhas
Foi apenas quando a podridão
invadiu o quintal de minha casa
que pude compreender

Vi a fonte de minha terra morrer
ainda na nascente, quando os homens
em sua sede insana de colonizar
não mediram esforços para cercar
expulsar, desmatar, incendiar, assorear
e todos os infinitivos possíveis
para o ato de dizimar
e plantar a praga em seu lugar

A cada enchente, mais barro dentro do rio
pedaços de árvores, restos de lixo
animais mortos
as beiradas desmatadas, os barrancos derretendo
a enxurrada carregando de lavada
entupindo as artérias vicinais
com todo aquela carga maldita
de óleo e lama fétida

E ao trecho que até então se chamara
jardim, restou apenas um palmo de plantas secas
rodeada de todo concreto, todo asfalto
A incompreensão da própria pequeneza
se traduzindo em atos pueris de habitação
como se cada movimento inequívoco
para dentro da floresta, não trouxesse em si
desde sempre, um anti-movimento de morte
para tudo o mais que habita ao redor

E essa força maligna que parece se instilar sobre tudo
Pelo canudo em que se bebeu o suco
Na sacola que se trouxe o feijão do mercado
No detergente inocente com que se lava a louça
Nas descargas invisíveis, transitando por tubos invisíveis
a carregarem os nossos restos invisíveis
para a visível desolação do seu destino
e que, ao vomitarem seu conteúdo no riacho
bem perto da comunidade sem recursos
nos lembrará a cada dia o preço que se pagou