As águas

Outubro chegou em novembro
e com as chuvas veio a verde grama
a vontade de não levantar da cama
apenas pra continuar ouvindo no jardim
essa sinfonia de águas a descer do céu
Entortando galhos, lavando as telhas
A relembrar a experiência das goteiras
enchendo bacias no quintal

Sob essa coreografia  dançam
os elementos que até há pouco
silenciavam, latentes, à espera
A terra, generosa, que ressecava em
silente caução, volta úmida
rompendo crostas com seus brotos

Passarinhos em inspirados sopranos
acordam os sapos barítonos de Bandeira
Libélulas extasiadas pousando cores
As gotas d'água -- vertidas em
chuveiro, são grades líquidas
e barreiras de contenção

Enquanto nos campos
uma outra beleza se instaura
as neblinas fora de estação
suspendem cumes de morros
pastos verdes estendem seus tapetes
para efêmeros arco-íris
que tornam às vistas
em finais de tarde sem aviso

Os trânsitos constipam a cidade
Os lugares abertos ficam inacessíveis
As pessoas se britanizam mesmo
sem casacos de frio
Ônibus nervosos e seus vidros embaçados
Em algum lugar soam
as primeiras  harpas de natal

Surgem alagados em toda parte
(Os mesmos de todo ano)
E as pessoas, --, na rua, no trabalho
na escola--,  albergam um pequeno
mau humor que é a vontade de ouvir
o vento e ficar em casa, lembrando um pouco
de si mesmas com um bom livro e
uma xícara de café quente nas mãos
enquanto a vida vai
molhada lá fora