Melhores leituras - livros produzidos no ES ou de autores capixabas em 2019 - poesia (registro feliz e notório da grande produção feminina na literatura)


Fabíola Mazzini, "Rotina dos Ossos", Cousa 2019.
No quase-apagar das  luzes em 2019, surge essa
pedrada de Fabíola Mazzini. A variedade acurada
dos temas, e a capacidade de lidar
com sua complexidade usando palavras simples,
é uma arma da poeta. Que aliás, não escapou
à leitura atenta de um outro poeta. Com a palavra
Alberto Bresciani, num prefácio tão marcante
que tem caráter de um pequeno ensaio:
"Em "Rotina dos Ossos" não passam
despercebidas as tragédias sociais , a
condição feminina, os ataques terroristas
da época à nossa identidade,o desejo de 
transfiguração, a vida em seu barbarismo
Decompõe-se o amor ("a poesia é um solo
a sete palmos do amor"), suas instabilidades
e dúvidas, o amor assassinado por "estátuas
de farda na praça pública".



Fabíola Mazzini, "Rotina dos Ossos", p.27
























Fabíola Mazzini, "Rotina dos Ossos", p. 24



Getúlio Souza, "Calor Outro', Ed. Pedregulho, 2019
A presença desse "quase estranho" na cultura
contemporânea: O outro, seu espaço, sua fala,
sua ausência ás vezes notada ,às vezes não.   As dificuldades
que parecem cada vez maiores de se comunicar  e
se fazer entender, a despeito da multiplicação das
formas de conectividade  contemporâneas. As dores
tantas vezes oriundas desse processo  O autor
além de escritor, é psicólogo, e em alguns momentos
isso aparece nítido na abordagem dos temas, no
aprofundamento de questões que em outros poderia
ser simplesmente deixada ao largo. Algo que sem
dúvida enriquece o trabalho. Registrando ainda a
belíssima  edição da Pedregulho, uma das mais
bonitas que vi em terras capixabas, valorizada
pelas ilustrações de Caio Azoury Vargas.



Adrianna Meneguelli, "Lúdicas", Ed. Cândida, 2019
Uma "trajetória de vida" narrada em voz poética?
Isso, em se admitindo que o poeta realmente possui
algum tipo de personalidade ou voz fixa, definitiva?
Ou como a autora mesmo gosta de se referir, pelo
diálogo constante com as artes figurativas, seria uma
série de quadros pintados com palavras existenciais?
Seja como for, uma rica e intensa leitura, uma forma inusitada
de entremear palavras que ao mesmo tempo possuem
tanto rigor no conceito, na forma, com conteúdos de
vida que ao mesmo tempo podem ser a mais cotidiana
ou contumaz das experiências humanas, seja no amor,
nos afetos, no trabalho, na própria lavra poética belamente
questionada. Adrianna tem forte ligação com a academia
na sua formação, no seu passado, mas seus versos
querem ir (e vão) muito além disso, pela coragem,
pela força e pela beleza que fica nas mãos e nos olhos
de quem adentra "Lúdicas."
---
p.s. detalhe técnico: ninguém menos que o artista
Jorge Solé, fez as ilustrações criadas especialmente
para este livro


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Fernanda Nali, "Território Inominado", Ed. Cousa, 2019
Ótimo título para uma beleza de livro onde o leitor se
pergunta o tempo todo " a qual fala" pertence o gênero,
a qual fonte? a qual narrativa, verso, olhar? Um romance?
]Um livro de contos? Eu gosto desses desafios. A curiosidade
é que o texto é em prosa, mas há um forte ritmo na forma
de narrar, uma subjetividade que em geral caracteriza a essência
do fazer poético, bem assim o rigor visivelmente
buscado até a angústia, até o osso de uma vida que se
quer achar e definir pela palavra enquanto o narrador se faz,
fluido, indefinível porque capaz ao mesmo tempo de viver
a solidez do cotidiano em seus espinhos e colocar-se em modo-canção
assim sem aviso. A música está presente o tempo inteiro,
de maneira bonita, grande, uma música entronizada no mundo,
e não apenas no enredo, que intercala passagens literalmente
musicais (instrumentos, ambiente, os signos temáticos dessas falas)
mas nas cadências dadas , ora intensas até o quase-limite
dos encadeamentos e sensações, para depois tomarem um
andamento calmo, extenso, mudando os olhos da paisagem
como um viajante numa janela de ônibus em um dia de chuva.
 O que se sente pode mesmo (e deve?) virar som, palavra, e
se a resposta for positiva, o quão sincero soará isso, a forma
final expressa, -- ainda que transitória (inominada)
para a  definição de um sentimento? Todo esse processo
que envolve precioso rigor sem ser preciosista
me remeteu ao poeta pensando o mundo. Uma gestação
de poeta, pela sua beleza e magnitude,
não importado tanto o nome que se dá, ao fim,
ao gênero, à forma achada para dizer. Por isso, na minha leitura
encontrei fortes elementos de poesia, pelo enfrentamento
não apenas das questões, ora mínimas, ora questões
humanas universais e renitentes, mas da forma de se expressar,
recusando desde o início saídas fáceis e usando nesse processo
 de pesquisa, de lavra rica e precisa, profunda e criatividade
sem perder o fio da história, que não necessariamente precisa
ser contínua ou limítrofe. como o próprio título sugere.
Um dos casos felizes onde o título pertence organicamente
ao texto.

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Lívia Corbellari, "Carne Viva", Ed. Cousa, 2019
A difícil (talvez impossível) tarefa da crítica,
de "definir" poesia, mesmo que a rigor ela
seja sempre algo indefinível, mas apenas como intenção
de dar uma palavra sobre o que se sente e  situar
o futuro leitor para seu objeto. Um livro
de poemas anti-acadêmico, por excelência, pela forma
direta e sem remissões como se põe nos temas.
Versos bonitos e intensos, na sua voz. Tigres, em sua
coragem ao mesmo tempo agressiva e defensiva
de viver, gritando aos quatro ventos que existem, e mostrando
ao mundo que, para além da racionalidade fria,
que nos sufoca insidiosamente a cada dia mais um pouco,
nas ruas, nos escritórios, na alienação nossa de cada dia,
ainda é mesmo no calor dos sentimentos que se constroem
vidas, afetos, relações as mais variadas dentro
da órbita humana, a ponto mesmo de nos fazer questionar
o que seria o humano sem eles.

Não existe a imposição de conteúdo quando se trata de poema.
Tanto assim que as experimentações de formas e falas
sempre existiram em todas as épocas com sua sua imensa variedade .
Contudo, o traço existencial, quando presente, 
enriquece a poiesis porque lhe doa vida e maior legitimidade.
Nietzsche já dizia, com a vibe
que lhe era tão própria :"De tudo o que se escreve,
dou mais valor ao que é escrito com o próprio sangue".
A poesia como desafio ao mundo dado, fechado.
Coragem também, e uma felicidade a escolha de absoluta
síntese na forma de expressão, o que aumenta a dramaticidade
dos versos pela amplitude dos seus não-ditos
e  os situa dentro do formato mais contemporâneo
da poesia,  que costuma   deixar ao leitor, seu "co-autor",
como no dizer de Barthes,  a tarefa ousada de
(re)compor para si seus versos.

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Fernanda Tatagiba, "Labirinto Mínimo" Ed, Pedregulho 2019
O cotidiano, as relações humanas, o intermédio de uma "terceira
pessoa" , caracterizada pelo "externo" , uma visão pessoal
da natureza, tudo exercido com a opção minimalista na
forma, lembrando (principalmente a poetas como eu que
sempre barrocamente exageram no traço), como e´que
ás vezes o mínimo realmente pode ser mais.