Entrevista com o poeta



Entrevista com o poeta e filósofo alegrense Marcos Silva Oliveira (“in) memoriam”
publ orig "Caderno Mil Montes", março/2014

"... Puxe uma cadeira, ok, beleza?! Tem um suco aqui, fique à vontade.. Cigarro? Não, bom , mas a questão é essa mesmo, tudo começa desse jeito, compreende, quando Nietzsche pega seu martelo e destrói os ídolos ocidentais, a começar pela verdade, passando pela Religião, a Ciência e os costumes morais arraigados. Cara, a Filosofia não será mais a mesma depois dele. Alguns, como Heidegger, questionam mesmo se ainda haverá filosofia depois de Nietzsche.."
" ... Mas aí a questão agora é outra... No que diz respeito à arte, compreende, a coisa muda de figura... Relegada historicamente  a segundo plano, por não conter , em suma, um discurso homogêneo, racionalizante e justificador no sentido último da palavra, compreende? Num mundo moderno que de alguma forma elegeu a ciência como seu discurso oficial, a arte agora, através da nova perspectiva, assume seu lugar preponderante entre os modos de fazer humanos destinados à elevação, uma elevação “Gaia”, compreende, no sentido da Terra, e não uma elevação beata, como a entende a religião tradicional. Somente ela poderá salvar o que ainda restou do homem em meio à hecatombe da civilização, e não quer dizer que essa luta será pacífica ou sem muitas perdas".
"... É claro que há um sentido implícito para o que seria essa idéia de arte, não é um sentido  terminante, de definição, de aprisionamento nas rédeas do conceitual, mas da atitude. Há que ser uma arte afirmativa, o artista que sabe rir, que possui a coragem do leão, compreende? A força de um camelo e a inocência criadora de uma criança, e que reforce o melhor sentido da vida, em vez de negando-a, ratificando-a  em suas variantes de dor e prazer, escolha e fado, contingência e atemporalidade. Independentemente ainda da forma artística aplicada, quer seja musical, plástica, ou dançante. Nietzsche tinha um especial apreço pela arte da dança, ao ponto de chegar a afirmar  que o Zaratustra deveria ser uma peça de dança, e mesmo no próprio livro "Assim Falou Zaratustra", sua obra-prima, que seu personagem era um dançarino, considerando-se que a vida é música, movimento e harmonia".
".... Bom, uma opinião pessoal sobre o sentido vida e morte? Aí você quer me pegar, rapaz!! Questão espinhosa, essa...  Há sempre mais lacunas que respostas, compreende?. O que dizer? (risos .... .acende um cigarro, traga e fica olhando a fumaça evanescendo...). Há muitas doutrinas sobre o tema. (Gesticula, com ansiedade, parecendo talhar uma escultura no ar) A maioria filiada a alguma religião, seita ou facção minoritária da ciência. Se você pesquisar toda a história humana, haverá tantas respostas e liturgias existentes, originadas dessa questão, desde os antigos egípcios, talvez até mesmo antes deles, onde a figuração sobre uma possível relação sobre o mundo real, concreto, com a metafísica de um extra-plano, que a questão torna-se, de fato, para um filósofo, como ocorreu com Kant, Kierkegaard ou Pascal, uma espécie de abismo. E como sabemos, Nietzsche tinha certo pudor quanto a abismos e as questões denominadas “as teias de aranha da filosofia”: "Se olhares muito tempo para o abismo, o abismo também olha para dentro de ti”... Creio que é por aí... Não que o pensamento não possa perscrutar o fundo da alma humana. Ao pensar tudo é possível. Mas não há que permanecer em sombras, compreende?”.
"....Mas, o assunto ainda não terminou... 
Respondo-te já,  é só o tempo de um  cigarro (...)".



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publ orig in "Alma de Cortiça", Crônicas - O Aleph , 08-2015 - reg AVCTORIS, jul 2017