"O tempo e o cão " (Maria Rita Kehl)



Disparado, a melhor obra de
não-ficção lida nos últimos anos.
Pra não dizer uma das melhores
e mais importantes que li
na vida.

História, filosofia, psicanálise
estudo acurado dos contextos sócio_
políticos e sua indissociável
presença no âmbito do indivíduo,
coisa que, incrivelmente,
desde 2010, -- data da sua publicação--
ao contrário de relegá-lo a um
possível esquecimento, apenas
o fizeram imensamente mais forte
e atual, diante da nova realidade
do país e do mundo.
Livro necessário,  como o status
da melhor literatura e arte, como
ensejadoras de uma melhor
e mais profunda experiência
do pensamento.

A prospecção e o questionamento
mais que oportuno, sem medo do limite
(Institucional, mercadológico
e conivente dentro do que em alguns
momentos se convencionou denominar
ciência médica), de uma idéia sutil e
funcional de doença, a construção
e a atribuição dos rótulos como necessidade
de controle do discurso e das formas de
verdade .

A experiência da clínica psicanalítica  como um dos possíveis  momentos da virada; sua fé certeira na linguagem como chave e passagem entre mundos, ao trazer à mesa o discurso artificialmente apagado
onde uma enorme pulsão de vida não encontra materialidade
 exterior para sua expressão, e tantas vezes volta-se contra si mesma
por falta de significação de seus movimentos.

O caminhar por outras vias: pensar a diferença.
Corpo que reage.  Compreender o momento histórico
da "doença do século ", cada vez em maior expansão, as insidiosas razões pelas quais isso ocorre ,suas particularidades e diferenciação da melancolia e outros estados de ânimo já existentes em épocas pré-industriais.

A especificidade do nosso tempo, que traduz os efeitos sobre o corpo e a liberdade, e a relação causal disso com os conceitos dominantes de saúde, vida e produtividade, além das formas de religiosidade  alijantes.

Belíssima abordagem sobre as noções de "tempo" e seu registro na história do pensamento. Benjamin, Bergson, Agostinho, e suas fortes implicações para pensar o contemporâneo.

Compreender  a "doença" como possível resposta
positiva a um mundo máquina, corpo
que não se dobra fácil para virar lenha,
os mecanismos
distintos que a qualificam, e uma
abertura fundamental, como
é da própria beleza e força da
Psicanálise, campo privilegiado do saber,
justamente pelas razões que alguns
lhe imputam equivocadamente como critérios de "Não-verdade" e suposta tibieza conceitual:
por conta de sua não-normatividade e não
submissão às imposições cegantes e
anacrônicas do "método científico " e,
ao mesmo tempo, a liberdade
não-sistemática que a faz mais rica
que o conjunto dos sistemas filosóficos,
-- as teias de aranha que na verdade não explicam nada para além de si próprias, sempre reféns
da mesma lógica platônica-cartesiana-- que,  como no dizer de Deleuze, causam a repetição  infinita de um ciclo que pretendem combater.

A Psicanálise, mesmo sem o estigma
da verdade, em estratégia de luta.
Um saber  cada vez mais importante dentro
de uma perene expectativa de
(re) humanização do conhecimento: a inserção
de um pressuposto de não-racionalidade, num
sentido estrito, e ampliação do campo de saber
como viés urgente para avaliação da vida
e a fundamental abertura a outros olhares
como ponto de interrogação do corpo
que sente--esse sujeito de ações e reações
sobre a vida.

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Prêmio Jabuti, 2010, Boitempo Ed