Corpo e processo criativo

O prazer
de testar o limite
Até onde o peso
Até onde o passo
Até onde a dobra
do desejo

[até onde o outro
ou no fundo é tudo
eu mesmo em insanos
giros ao redor]

Músculo retesado
Contração e explosão
Relaxamento

Novo ciclo
Respiração
Um aumento da força
que advém
quando o desanimar
é o novo normal

Por que insistir
por que não se deixar levar
por que não homologar
essa final entrega
Até onde a motivação
quando tudo o mais
é queda

Até onde o corpo
refugando o
que está morto
põe-se, mesmo torto
em movimento
de espiral contínua

Sacode-se em poeiras
e se põe a escrevinhar
não sou eu mais,
não estou sozinho
é algum outro, algo
que me continua o caminho

Experimentações :
o desarrolo de palavras
tomado pelo êxtase sexual
o espojar-se em gozo
A continência e seu preço
alto demais

A pena conduzida pelo amor
pelo ódio, pelo medo e a dor
Paixão e pulsão, ebriedade
Os garranchos irresolúveis
do álcool a turvar profundidades
A solução a criar novos problemas

Todas as fomes
E as sedes
O pensamento perigoso
advindo do cansaço
Os abismos da exaustão
O efeito das substâncias
Internas e externas

O rigoroso controle
-- pelos mecanismos --
das químicas que instilam
a anima sobre o mundo
e expandem os estados
de consciência

A imposição avassaladora
das químicas limitantes,
que facilitam o domínio,
prelecionam obediência
e impedem o olhar crítico

Os influxos da respiração
Fôlego
e a ausência dele

Sentido moral, cultura
Os excessos das verdades absolutas
sobre a configuração dos corpos
na história,  sua estética
e formas de sentir

Cada órgão reage ao que o agride
Cada célula que agora vive
não esteve ainda onde já estive
Daí que sou um novo organismo
que renasceu inteiro
ao menos 7 vezes nesta vida
7 x 7

Identidades e permanências
 apenas suposições
a cada giro da pedra
Semelham as condições
que eternamente retornam
mas não são idênticas :
O momentum é outro
e inspira novo registro

Uma disciplina
inquebrantável de si para si
sem ceder à contraposição fútil
das circunstâncias
É lei navegar contrário ao vento

O mundo sendo pequeno e fraco
diante do que vai dentro
"Indomável em sua extensão e fúria"
mas apreensível pelos caniços pensantes
de Pascal, em busca de sua
(ainda que transitória) expressão

As modificações fisiológicas
do estado de humor sobre o texto
As variações metabólicas das palavras
Ruptura, processamento e absorção
Eliminação

Alimentos de ânimo, a indigestão
e o resultado nem sempre claro
das suas manifestações
Movimentos esqueléticos
e a injeção de substâncias
naturais, artificiais

Uma corrida intensa
com os pés fincando areia
Um pedal até os limites da cidade
Uma simples caminhada
num dia bom

E o que me surge das idéias
em movimento é completamente
diferente da percepção de inércia
que eu tinha há poucos instantes
Pensamento estanque
não se sustenta

Como se uma verdade não pudesse
estar muito tempo inerte
Havia alguma coisa na estagnação
que me impedia ver, tocar,sentir
com maior intensidade

E agora tudo muda
quando a pulsação estronda
quando o vento se instila
tocando o cérebro pelas narinas
O sangue aerado oxida o cansaço
e algo por dentro se nega a ceder
Outros mundos se abrem
às substâncias de dentro

Pega-se uma barra de 20 kg no chão
e com ela mais 15 repetições
alarga-se o pulso, as veias incham
bombeando vida
Nas têmporas, tambores tribais
a tela acesa de um notebook
guardanapo de papel ao alcance da mão
ou um caderno em branco
tanto faz

A memória agora é outra
e tanto cria quanto esquiva
Sobretudo não se resigna
ao fato

Muscular o ímpeto
Vascularizar o verso
Fazer dançar o pulso
Tudo enseja sangue
Densidade e fluxo

Como nos ensinaram bem
os mil anos dentro da noite
lamuriosa dos mosteiros
Não há como esperar
alguma luz e perspectivas
redentoras das reflexões
tomadas por sombras

Lançar-se
ao exercício de um outro movimento
e o preparar-se como método
Um fim em si mesmo
Naufragando qualquer utilitarismo
[não há um objeto]

O prazer como trajeto
A dor -- inevitável--
preciosa escola
Contínuo aprendizado
do que o nutre
do que o estende
do que o eleva
e enleva

O prazer, absoluto, seria insustentável
A dor, hegemônica, debilitante
É a dinâmica que redime
Contrai, expande,
Pressiona, flui
Retorna, jorra

Nunca cessa, a força
Existe algo que quer retornar
à sua origem
mas vai fazendo a vida no caminho
e testemunha seu ruir
na palavra

Um conceito de liberdade
que vem de dentro
e não pede permissão
nem se explica

As asperezas sendo lição
As impossibilidades
sendo lição, o resultado
um todo incerto

A força que se aumenta
no corpo que não morre
nem quando eventualmente
se adoenta

O tédio e o anêmico
sendo piores que a fome
O medo fazendo estragos

O apetite, em sua ânsia de vida
O mastigar, em sua inerente violência
Tritura e processa aquilo que o atinge
E tudo isso vivifica em ossos
como o mistério claro
do adubo às plantas

A doença mesma
quando ocorre
sendo experiência
e contestação visceral
às formas

e vitamina
ao que sobrevive
mais forte
que a idéia de morte

O traço é assim, corpo
em sua maior projeção
Não nasce de um lugar
ao lado, embaixo ou além
O que fala, o que cala
o que conflita
Braços em profusão
infinita

E a constatação do instante
O respirar profundo
indo contra o espírito
de uma época
sufocantemente rasa
que agora mata
(metáfora perfeita)
pela falta de ar

O que subjaz
e pulsa, incontendo-se
a cada segundo
independentemente
dos giros do mundo?

Não se pronuncia o seu nome
mas é a força que nos faz andar