Orvalho

Aquando a manhã súbita
o surpreende sem sono
(Não que tenha dormido
demasiado )
Mas a pujança do mundo
desde cedo acordado
lhe falou mais alto
que a anunciada em sonho
E todas as palavras que existem
 e também aquelas
que ainda não foram escritas
nem soadas, parecem dotadas
de uma vontade de se instilar
e aguardam ansiosamente
o seu despertar
A folha branca te olha de banda
Desperta-se, ainda situado
na transição em andamento
por esses dois mundos
Entre a vigília e o sonho
há uma terceira categoria
Fugidia, fugaz
mas de uma beleza atroz
Como se por dentro
uns outros olhos sonolentos
fossem vendo coisas
que daí a pouco
quando o café fizer efeito
e a máquina do mundo
se puder a girar
se dissiparão em pleno ar
É por isso que, sabendo
da perda breve dessa magia
alguma coisa por dentro
segue renitente, querendo brincar
É tudo diferente aqui e agora
(A absurda imensidão
que pode habitar um quintal)
Mais ainda nesta época do ano
onde mora nas costas
das coisas aquele sereno
recolhido pela noite
E que lhes dá um brilho embaçado
de neblina para sonegar a cor
As plantas encapadas de água
Os passarinhos enchem o olhos
de movimento e canto
Um certo silêncio governa
o ritmo das outras coisas que
não rangem
O ar  frio entra àspero
nos pulmões, alertando
as ventas e secando a garganta
A luz é muito mais azul
e as primeiras réstias de sol
vêm com seus longos dedos
inaugurando as quinas altas
e os umbrais
Fechando os olhos
nessa sinestesia de estar fora
ainda embrulhado num cobertor
Sou atravessado pelo que há
ao redor, a vida é essa energia
contínua, oscilando
O brilho diamante de tudo
que está orvalhado
recendendo a luz
E olhando bem de perto
é tudo de uma beleza singela
e ao mesmo tempo contagiante
quando não se absorve por
outras urgências
Nesse limiar tão fino
entre os dois mundos
onde por segundos habita
um terceiro lugar
Não parece assim tão claro
e irrefutável que a vida tenha
que ser sempre o que é
Seu sentido determinado
pelo contínuo esvaziar
Nem o tempo precise seguir
como algo- uma- coisa
Aquela de se escravizar
Há um outro lugar
Entre o osso do olhar
cotidiano e a bruma
obsedante de sonhar
Por um instante
pequenino de alegria acesa
que nem sempre é fácil
de se pegar
Existe  um outro lugar
Um alento de beleza
contra todas as tristezas