A primeira vista

A chegada

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Viemos pela antiga ponte, ainda não havia a nova. Saindo cedo da cidadezinha a duzentos quilômetros, tudo ainda meio parado na rodoviária, antes de entrar no ônibus. Cheiro de pastel de vento com caldo de cana, eu não comia muito cedo que ficava enjoado. Cheiro da fumaça preta do motor se aquecendo no terminal. Cadeiras duras, quatro horas sofríveis. Calor, sem ar-condicionado, no máximo as janelas abertas numa hora ingrata do dia. Fumaça de cigarro na parte de trás. A tia me olhando meio de esguelha, simpática comigo. Ela que nem era das mais simpáticas com mais ninguém, mas me tratava na palma da mão. Brava e generosa. Uma vez saiu na cabada de vassoura com uns moleques da vizinhança que tinham me maltratado. Eu gostava dela.

A vista da capital, depois da ponte de ferro. Ainda não era definitivo, como seria dez anos depois. Era só uma prévia. Me perdia naquela floresta de prédios. Todos iguais, não me localizava. Me levaram para ver meu pai nas últimas. Eu não sabia. Acho que ele também não. Cirurgia complicada, pós-operatório dramático, parentes, médicos e hospital a postos. Acho que se esqueceram de avisar pro doente que ele não tava bem. Recuperou-se totalmente depois, e por bem nem me avisaram de nada hora nenhuma. Achei que era só passeio mesmo. Eu ia e voltava do campo à cidade e da cidade ao campo contando passarinhos e os moirões de cerca na beira da estrada verde de vacas malhadas. Ah, o cheiro de bosta de boi com silagem moída. Perfume. Misturado com o cheiro do capim meloso e colonião pelas tardes, quando os quase quarenta graus de janeiro meio que vaporizam no ar os sumos do verde e todo mundo fica meio bêbado de calor e essências...

Minha avó me deu um dinheiro que nem tinha aonde gastar. Voltei pra casa com uma bola de couro azul e branca e uma carteira de couro pra minha vó, que ela guardou até o fim da vida.


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O parque


No fim, nem me deixaram entrar no hospital. Não entendi bem. Era meu pai, afinal, que morria. Não morreu ainda bem. Mas acabei ficando solto por ali mesmo. Minha mãe desceu uma hora e falou comigo. Me deu uma revista do Tex, que tinha comprado na banca e eu gostava. Depois retornou ao hospital. Enquanto esperava, atraído pelo teto alto das árvores, segui naquela direção. Mais tarde vim a saber que aquilo logo ali embaixo era o Parque Moscoso, e sua memória não me sairia mais da lembrança. Uma coisa meio parque de diversões, meio pântano, uns bichos posando pra foto sem saber o que faziam bem ali, rodeados de prédios numa moita de verde aquoso. Bebi um guaraná quente e uns cinco picolés. Muita gente com pipocas e olhares perdidos em volta. Alguns idosos, muita criança pequena na areia. Mais perdidos que eu, estavam. Rodei pra lá e pra cá, subi e desci a longa escadaria, fui à porta do hospital várias vezes e a visita nunca terminava. Meu pai morria, eu nem sabia. Nem me deixaram ver. Não podia entrar. Voltei ainda sem entender bem a situação, achei que era passeio. Depois ele se recuperou e voltou pra casa. Gostei de conhecer a capital, o parque e aquele lugar onde comprei a bola de couro e que vendia de tudo, de varas de pescar a espingardas de chumbinho, gaiolas e alçapões de todo tipo, um galpão gigante cheio de pequenas lojas com cheiro de incenso e ervas, nas portas as figuras de santos e deuses africanos. Gostei de andar pela primeira vez de elevador. Gostei por uma alegria triste de contemplar aqueles novos bichos que estavam jazidos lá no parque de palmeiras cujas copas se perdiam no céu. Foi só um dia mas no caminho de volta batia saudade já, do meu mato, e dos meus próprios bichos. Vim folheando a revista nova do Tex no caminho. O cheiro de tudo lá era muito diferente.