A rede

 


Completando hoje 10 anos de rede social.

Cavucando meu perfil e relembrando os primeiros posts, -- a maioria sobre cinema, fotografia e também sobre música e músicos, reflexo da fase em que vivia no contexto, lidando com banda, ensaios, investindo sonhos num home studio e estudos etc 

Depois, o testemunho do gradual abandono desse mundo musical para imersão mais profunda na literatura, os posts caminhando nesse sentido, o mundo de autores, poetas, diferentes escolas e propostas, arriscando rabiscos pretensiosos na crítica literária, e na sequência despistando a ingenuidade sonhadora e as pretensões artísticas do princípio com a  amargura política dos últimos cinco(!!!) anos-já, surgida a partir do golpe de 2016

A nada sutil observação de que os posts de humor, situações edificantes e a palhaçada pura e cômica, tão presentes nos cinco primeiros anos e  dos quais sempre fui fã pela vida afora, simplesmente foram rareando cada vez mais até sumir de vez. Parece desnecessária a explicação pra isso, se alguém é brasileiro e esteve de alguma forma sintonizado no que aconteceu de uns tempos pra cá. Fazer piada em meio a tantas tragédias, se não soar alienação, soa macabro 

Um dos melhores aspectos da rede:  Meu perfil configurado como convergência e seguidor de tanta coisa boa que de fato ainda existe, e na assinatura das páginas de jornais e revistas digitais, numa quantidade gigantesca de dados e informações sobre todo tipo de assunto que se possa imaginar. Ora, TUDO que é humano me interessa, no fim das contas

Um dos problemas: sendo signo de gêmeos e uma cabeça que nunca dorme , arrumar um jeito de sintetizar e processar tamanha quantidade de informações sem queimar os neurônios.

Sobre interações, a boa-sempre-nova das amizades e afetos a dar alento. O caminho inverso também, vindo no ácido dos tempos, vendo parte da família e alguns amigos pegando outros rumos. Coisas da vida 

Uma dúzia de discussões idiotas nesse período de dez anos bem ativos na rede, com gente igualmente idiota e tacanha, o que mais sobra nesse mundo. Comentários e estranhamentos em posts de revistas e jornais, sendo o tema de fundo principalmente política, seus doces e seus amargos, a oposição ferrenha a esse fascismo que veio nascendo assim aos poucos e às decadentes transformações institucionais ocorridas no país a partir da falsa perspectiva de 2013 no "vem pra rua", onde no primeiro instante eu mesmo fui um dos incautos a imaginar uma nova ordem promissora. 

O desolador acompanhamento dos debates em posts de grandes jornais e revistas, com a constatação absurdamente clara do nível de ignorância e alienação perpétua desse nosso povo, a violência e falta de qualquer urbanidade do debatedor médio das redes. Isso sem falar dos robôs pagos para desestabilizar tudo. Registros - meus também, é claro -- dos tradicionais xingamentos a certos políticos e personagens deletérios da cena pública no fim das contas, que ninguém é de ferro.

Tirando algumas convergências e empatias daqui e alguns cascudos e espetadas de lá (incluídos nesse processo os persistentes conflitos familiares, culminando  na exclusão ou bloqueio de alguns parentes e amigos sem noção), tirando o bloqueio sistemático de dezenas de stalkers  assim surgidos do nada e se colocando como perfis fake e seguidores insistentes do meu perfil por meses a fio, principalmente nesses últimos dois anos após a "estreia" desse desgoverno, enfim no resumo da minha experiência pessoal de uso da rede, tudo se tornou uma única constatação : de que se gasta muita energia pra cozinhar o óbvio. Regurgitar matérias de jornais, compartilhar fotografias de uma crise estrutural que passa de cinco anos e segue fazendo vítimas, justificar mal-entendidos na vida pessoal e perturbar o próprio sono na obrigação cotidiana à crítica (tantas vezes inócua) de um desgoverno insano , tudo isso desviando foco dos verdadeiros e necessários projetos de vida. No meu caso de escritor:  leitura e escrita, objetos de total dedicação e amor, apesar dos arranhões inerentes a toda arte.

A esperança talvez romântica de que um dia eu volte a ver nessa rede uma ferramenta útil à verdadeira produção, troca e difusão de ideias, ao bom debate e a um certo engajamento civilizatório -- no melhor sentido dessa palavra -- e progressista. E de esquerda, é claro, porque alguém precisa levar o coletivo a sério. E também porque a tal "Terceira Via", com que andei flertando década atrás inexiste a rigor em nossa tradição e a Direita tem pecado excessivamente em sua ganância e obtusidade nos últimos quinhentos anos em que domina o jogo. 

Não menciono a extrema direita no poder porque é dar muito espaço ao negativismo e voz ao inominável. Serão superados em breve, junto com o desrespeito à vida e seu fundamentalismo doentio calcado numa ideia equivocada de religião, a fórmula gestadora de miséria da sua economia, a destruição ambiental e relembrados (apenas quando o forem, nas aulas de história) como modelo para o que não deve ser repetido.

Junto a isso tudo, um (auto) aviso nunca tardio. A necessidade cotidiana de lidar e separar informação de conhecimento,  a lembrança sempre oportuna de que acessar a infinidade angustiante de dados produzida diariamente sobre esse nosso mundo, nem de longe é o melhor caminho para conhecê-lo em profundidade .