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O último mergulho

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(editado) Enquanto o horizonte diminuía à proporção em que a viagem abraçava seu destino, o carro descia vagarosamente o último trecho de morro antes da chegada. Lá na frente, num pequeno ponto de luz, o vértice azul de um mar verde e brilhoso  triangulava num foco de aumento constante. Como as lentes de uma câmera em mãos amadoras, procurando alcançar em  zoom  seu objeto num ponto específico da paisagem, o vértice de mar apontava como uma seta para baixo,  ainda a longa distância,  transportando a luz para o interior das quatro visões infantis que, justamente nesse instante, paravam toda a bagunça no banco de trás do automóvel e silenciavam por uns segundos, estendendo a vista até onde dava e atravessando com o olhar o pára-brisas daquele poderoso Fuscão VW Azul Claro  rasgando o universo em direção à praia. Um ano se passara, até então, desde que tinham ali estado pela última vez os quatro irmãos. Vinham há duas ou três horas na estrada, e como fazia parte de uma brincadeira

O lutador

Atravessa o corredor sozinho Ouvindo o grito do público Mais alto seu próprio coração Latejando na cabeça Como tambores surdos Contidos                   Mortais De repente, todo barulho cessa Toda voz que ousa cala E apenas seus passos marcam o chão Ritmados                   Marciais Martelo dos deuses num chão de pedra batida Como se antes ninguém tivesse ali pisado Sobe o ringue pelas cordas Apruma-se como gato Espera,  defende, ataca Estuda, experimenta, arrisca Voa, se encolhe, se arrasta O sangue jorrando na pista O espírito virado corpo Em garras, luz e sede O desejo ancestral do combate Absorvendo-o em sua rede Exausto, machucado e suado Ao final da luta, já no vestiário Contempla diante do espelho O seu maior adversário

Se eu quiser falar com Deus

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Sidarta, Cristo, Krishna, Maomé personas universais, a vida pela fé. Sangue nobre, nobres intentos intenções perdidas, lamentos As bênçãos da humanidade à sua mais nova criação: a língua mais imprópria para se falar com um Deus. Allah, Shiva, Brahma, Javé figurações da mesma valsa a morte pela fé. Nirvana, paraíso, armas, imolações o gosto e o desgosto pela fé. Moral verdades universais, pecados originais reencarnação idade das trevas, fogueiras dança das almas rumo à ilusão, a língua mais imprópria para se falar com um Deus. Busca da certeza, quando a vida não nos dá apego ao que flutua, o medo de afundar quando o nada parece destino... o lado de lá. Homens em desatino vagando sem se encontrar. A língua mais imprópria para se falar com um Deus. O domo, a palavra, a vela, os castiçais o rito , o hábito: serviçais. Purgatório, êxtase, escrituras pastores e ovelhas, rebanho, opressão, o cego segue sempre no comando, religião: a língua mais

A queda (Ensaio para uma metafísica do herói)

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Há alguns arquétipos que são sempre revisitados pelo tal  inconsciente coletivo, e a queda, como um ritual de passagem, é uma das mais importantes referências. A idéia da perda abrupta de uma pretensa continuidade, a ruptura inusitada, aleatória, que pode se transformar no momento trágico de sepultamento do ser sobre o qual ela se abate. Ou, como ocorre em muitos casos, representar talvez a força exterior invasora e conflituosa que, ao contrário, o impele a buscar no fundo suas melhores energias, mergulhando num processo obscuro e sofrido de autoconhecimento revelador. Essa atividade de prospecção poderá ainda trazer a lume aquilo que poderia ser definido como sua essência-em-vida, transformando-o em 'outros' paulatinamente, ao conferir-lhe uma alteridade absorvida das diversas experiências a que se propõe, e das quais até então ele próprio não se julgava capaz. Se ocorre a ruptura, é possível que o espírito se corrompa ou se aniquile em definitivo, porque ciente de su

Existencialismo, psicodelismo, critica social e ousadia estética: A História de uma obra-prima. Pink Floyd The Wall 35 anos

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Quando se fala de arte, independentemente do terreno de sua expressão, seja no mundo figurativo da escultura, da pintura, ou não figurativo da dança, da escrita ou música, é muito fácil se enrolar ao tentar definir conceitualmente aquilo que é bom ou ruim, o que é certo, errado ou onde estão, ou mesmo se devem existir os tais limites para a criação. Perde-se muito ao tentar racionalizar um discurso que pertence a outro gênero de conhecimento e experiência humanas, porque geralmente essa fala explicativa opera um reducionismo ao usar uma linguagem estranha para "dizer" e tornar palatável aquilo que foi criado dentro de um outro modo de experimentar o mundo. Na falta de critérios absolutos para definição, uma vez que a arte não se curva à mera análise cartesiana da racionalidade, ao mundo hermético dos conceitos que compõem a Filosofia ou mesmo ao quadro de funcionalidades e relações típicas do pensamento científico, o que acaba acontecendo é a imposição de verdades com