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Asas de Artistas

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  Vieram diferentes, hoje contra os quadros do morro  Pra mais de cem Um certo arrepio destes tempos me subiu frio pela espinha  Mau agouro? Fim de mundo, esse clima de tudo queimado Avesso às secas e queimadas  ando criando  pequenas criaturas no quintal  que ganhou imensa vida depois da goteira permanente  virar piscina pra bicho no balde  Não conseguia cessar a goteira  Não consigo nem saber  de onde vem tanta água mesmo com o registro fechado Bombeiros, remendos, bóias Desisto, ao menos por hora Passei a ver a metade cheia do balde É cada mergulho de Bem-te-vi que dá gosto de ver  Ao redor, o matinho verde se alvoroça limando o cimento velho Cimento bom é o que ganha pele Soberanos em paradeiros de ar Os urubus voam com o pouco- esforço  só no leve-levinho Os ossos ocos asas longas e graciosas Não é difícil ver os ponteiros  "Urubru-cruzeiro", como dizia Seu Antônio As asas no alto  têm um formato diferente  do bigodinho de Dali, e voam  apartados dos demais  As espirais

Som, movimento e corpo

Atonalidade, síncope, dissonância  ---- Na natureza existem sons, melodias, ritmos, mas  música é um fenômeno unicamente humano. Seja de forma completamente intuitiva quando alguém cria para si mesmo, cantarolando ou assobiando algo que só ele conhece, quando faz um ritmo batendo palmas ou usando qualquer objeto, seja usando padrões e referências já estabelecidos para a notação e expressão desses sons e muitos outros num sistema complexo de instrumentação e canto.  A partir de certo momento histórico,  a evolução das técnicas, dos instrumentos e da maior complexidade herdada das tradições religiosas e folclóricas impôs a criação de um sistema codificado de registro,  compartilhamento e progressiva exploração das composições. Sua matriz mais importante, que chegou quase absoluta em nossos dias ,foi o conceito de tonalidade. A idéia de que é necessária, na criação musical, uma hierarquia de sons regidas e interligadas numa escala vertical e horizontal de co-relacoes de poder. Pelo univer

Live in County Jail

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  Obra-prima de um dos maiores mestres  do Blues. A mão lenta nas escalas e a simplicidade nos acordes . Performance ao vivo com um simbolismo muito forte pela própria história do Blues, onde mais que nunca, o conceito de "feeling" carrega a marca mais forte do género. Detalhe para a voz. Como Buddy Guy, um dos timbres mais marcantes

Blues Singer

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  A beleza  Viver para ter ouvido uma coisa dessas  Mississipi Blues,  acústico violão aço, slide, 12 compassos,  lentos , bem arrastados, pra soarem cheios esse monte de acordes menores e com sétima  Buddy Guy, a voz mais poderosa do Blues, em um dos melhores álbuns de todos os tempos.  Buddy Guy - Blues Singer

Pequenas notas bestas sobre instrumentos e sons

----------- Da experiência pessoal com a música  Na guitarra, o mundo vem até mim, passa pelo filtro, pelo fígado, pelos rins, passa nuito rápido numa consulta aos neurônios  e volta Parte emotiva, parte racional, ao mesmo feeling que se simboliza por um humano abraçado a um objeto de madeira e cordas, fazendo com que através dele soe as dores e glórias da humanidade, junta-se uma coisa de memória, de escalas, escolha  das notas que define um determinado estilo, a sustentação ou abreviação que confere alguma originalidade. Bends, vibratos. Staccatos, se as frases musicais  se tornam a fala de quem fala por outros sons porque suspeita das palavras soando cheias Como mostraram Satie, no piano clássico,  Gilmour e Clapton  na guitarra- Rock ou Robert Johnson e Buddy Guy no violão-slide- Blues, resgatando a lentidão e profundidade que deixa soar toda a vibração do som, da nota, do acorde, a dinâmica faz absurda diferença.  Tocar uma sequência de inúmeras  notas com muita velocidade ou exím

Pandemix

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     Recebendo as recém-chegadas criaturas

Lembrança boa

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Cheiro de gasolina Tanque cheio Duas rodas Céu de agosto Riso no rosto A mão pesada Alma pelada Pouca bagagem Nada de bússola  Na cara o vento A vida que vem  Sem utopia Bahia, Bahia, Bahia

O remédio

Espalhar farmacotecas mundo afora Esses locais, um híbrido de farmácia com biblioteca, seriam ricos lugares de retiro, de preferência com árvores espaços livres, sombras e lagos Passarinhos em fartura, de todas as cores e redes convidativas para o espírito cansado Geridos por pessoas hiper intuitivas que, do verde, apreciam os tons e que usariam esse dom (parte inato, parte aperfeiçoado parte sintonia, parte bruxaria) em prol de algo maior e mais bonito E essas pessoas usariam esse talento de saber indicar a quem padece -- E todo mundo sempre padece de alguma coisa nessa vida -- o livro certo para cada ferida Bastava a alguém lhes dizer uma  letra, um som, uma palavra Expressar um estado de ânimo Sugerir no gesto ou na fala aondé que doía, onde algo faltava ou suspirar recente perda sofrida e elas sacariam logo de seu inspirado e infinito repertório uma referência própria  ou, numa rápida olhada na estante Num instante teriam em mãos o livro indicado como remédio Talvez Proust para esp

Mil anos

Auto-ajuda só funciona mesmo é pra quem vende Sejam livros, remédios  ou conversa besta Daí que, tentar conciliar  numa mesma personalidade  mesmo corpo e mundo-agora uma espécie de sapo arrogante frio e pegajoso de óculos  que me habita o cérebro insuportavelmente inquisidor  com o leão passional, acéfalo  e excessivamente sanguíneo  de longa juba vermelha que me enche o peito  nunca foi trabalho fácil  Depois de muito errar mundo afora fui parar na quina do oriente (Décadas antes de virar modinha) Mil anos Se eu vivesse tanto ou ao menos tivesse a absoluta certeza  de que minhas encarnações seriam  um plano-sequência continuado  as filosofias orientais teriam me valido de alguma coisa Do contrário, foi apenas um surto  de ansiedade no estranhamento de um pensamento que recusa a ação  porque acredita piamente no carma e que tudo enfim uma hora se resolve Mil anos para aprender melhor a lidar com o tai-chi-chuan e as embolações conformadas do mundo Zen Levo na memória e no corpo apenas

Gerações

A tradicional identificação etária é sempre uma coisa idiota  Não me identifico com a maioria dos caras -- nem com a maioria das garotas -- da minha geração Falam uma língua que não compreendo (Ou talvez não aceite e meu ser se recuse a processar) A prova final dessa hecatombe existencial para mim foi quando participei da última e malfadada reunião da turma da escola do ano tal, reunindo os escombros do que muitas vezes nem era para ter sido, não fosse um senso de humor sarcástico do destino. Terror . Você enche a cara pra aguentar tanta baboseira, conversa fútil, o açoite político na forma de opinião de bebum  e as inevitáveis comparações do que consideram sucesso pessoal em todos os campos possíveis e que costumam vir disfarçadas de um jeito nada sutil, daí depois de muito churrasco de carne dura, cerveja quente e música ruim, dá uma despistada pra ir ao banheiro e some. Não por acaso, numa pesquisa posterior no mesmo grupo whatsapp dessa turma do qual saí sem ter feito qualquer post

Estúpido Stalker

Que queres aqui, afinal?  Os homens da lei demoraram (como aliás é o seu costume) mas pacificaram a matéria  E, pelo menos até que nos venha estorvar  nova respiração deletéria, arquive de boas esses teus registros  que mal escondem a inata vocação  Guarda o instinto de capacho  para ser usado em outra tarefa (E isso é o que não há de lhe faltar  por essa corja que nos governa) Se nada acresces ao que tocas Se não fizeste brotar na janela um olhar  Nos canteiros uma flor Se não se tornou úmida a terra  por tua causa Nem os pássaros melhoraram o canto  Se tua mente  segue sendo  apenas veneno a intoxicar o caminho das estações Se ainda trazes na testa inconteste ora a cruz que sequer  compreendes ora os bordões tediosos do dia ora as cores que não reconheço Ou o paiol dessa moral de enfeite que não me toca Uma moral de escravos que desconhece a palavra mais forte A que desafia a morte para rimar com eternidade Por um instante, apenas  repensa o impulso que vai na boca  Corre de volta à

Autoconselho

Menino, poupe o cansaço! A humanidade é apenas uma abstração  E não pode ser salva  O mundo não cabe no teu esquadro E a bem da verdade, tua contribuição  É bem perto de zero  Perdem-se batalhas mas a guerra  há de continuar  Surgirão outros, com mais tino mais preparados e mais fortes (Quem sabe mais lindos, como diria Caetano?) Mais poderosos a desdenhar da morte Volta aos versos, menino seu verdadeiro mister  Apesar de dar no mesmo  quanto  à relativa desimportância  das palavras que  enuncias,  ao menos te sentirás um pouco  mais feliz contigo  E quem sabe ainda não colhes  como abrigo, a alegrar este teu ser quase sempre sozinho  o acalento de alguns sorrisos?

Psiqué

Eros é sempre  a salvação de Narciso  

As afecções contemporâneas da alma (parodiando Göethe)

Ansiedade Medo Tédio Incredulidade Bestificação Delírio e fuga

O navio na praia do Maranhão

Depois do imbroglio  e da crise do óleo vazado entre multinacionais  Chineses e americanos disputando os despojos  do antigo  transatlântico  Rejeitaram-no como ferro velho e todo o minério que transportou  não lhe servirá de consolação nem reparo  Encalhado em arrecifes, sem função  Vai ano, mais de ano Abandonado, espoliado, enferrujado Impedido  de navegar Com a graça dos deuses Será afundado a algumas milhas da costa e vai virar morada para milhares de criaturas que o verão brilhar Lhe agarrarão às costas todo tipo de cracas polvos e enguias construirão cavernas em suas divisões, e de enfeites no rosto lhe crescerão estrelas-do-mar Está feliz agora. É navio. Precisa mar

A encantadora de cães

Ela vem pelas manhãs Às vezes vem de  tarde As mãos beirando as grades O vestido recende flores Nos lábios uma canção  Que só ela é que sabe As bestas que guardam o jardim (com certo excesso de vontade) De longos pelos e caras coloridas Sossegam quando a vêem passar Se enfileiram na beira da rua E vão logo enchê-la de lambidas

Velhice

Quem se preocuparia de fato com algum destino sabendo daquela força  que habitava seu interior desde sempre? Como eu fugiria de algo que estava em mim Algo que já era eu? Eu já era velho aos sete anos de idade Um excesso de juízo,  um peso reiterado em dizimar probabilidades  Carregava  preocupações desmedidas num espírito que vez em quando surpreendia incrédulos adultos ao redor por sua sisudez encrespada (Eu só era criança quando me distraía ) Eles ainda não sabiam que eu tinha mais ou menos noventa anos por dentro Feito aquele Benjamin Button do livro Mas sem a bênção do personagem A graça dele se tornar mais jovem e bonito  no caminho enquanto por dentro as memórias iam benignamente se desfazendo  Comigo, (embora sentisse que algo retrocedia continuamente no espírito) por fora a física continuava seus estragos E a memória, essa maldição dourada, jamais quis arrefecer Não herdei o lado bom da velhice, por contradição A tal sabedoria,  que me caberia por preceito A relativa e desespe

Primavera

As cigarras chegaram mais cedo este ano Seu canto alucinado e monocromático  Preenchendo partituras de ar Alheias a qualquer sombra de civilização  Cantam agora como cantavam antes E continuarão por infinitas primaveras Vibrantes e chamadoras de chuvas Vaticinando as águas até rebentar

O tempo do verbo

Stalinista de cú é rola Apenas para delinear filosófico-anatomicamente a pseudodiscussão recentemente surgida nas redes após um evento-pop mal ajambrado que trouxe novamente a relativização da barbárie à baila Caetano e sua costumeira prolixidade e entroncamentos de falas complexas a desencadear -- nos que esperam esse sinal há tempos-- o gosto por defender o indefensável e ao chamar às luzes o historiador Jones Manoel, que por tabela traz o monstro Stalin de volta à vida como mocinho virtuoso injustiçado pela história  Embora as falas do historiador sejam bastante claras nesse sentido, não vi sequer uma formulação mais sólida ou uma transparência de intenções por parte do artista, a não ser um viés (que eu penso muito válido) de autocrítica através da visão marxista quanto à sua antiga fé "liberalóide", como ele mesmo disse, mas enfim a polêmica está criada -- certamente pela falta de assuntos mais urgentes -- É absolutamente inacreditável o malabarismo que se faz para maqui