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Mostrando postagens de outubro, 2019

O mundo de Arthur Fleck (Coringa, 2019)

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(OBS: tem Spoiler, e muito) ------------------ Assistindo pela segunda vez ao filme de Todd Phillips, apenas porque achei bonito demais da conta. Depois de ler zilhões de críticas e abordagens nesse interregno de duas semanas entre a minha primeira e a mais recente sessão, e sendo filme que enseja tantas variantes de análise, há duas questões aqui, que parecem não terem sido muito notadas pela crítica em geral. Falando mal ou  bem da obra, compreensivelmente eles buscam elementos mais próximos da história do cinema ou da óbvia comparação com o universo comics nas explanações.  Buscando outras leituras possíveis, o novo Coringa, em sua humanidade desajeitada que salta aos olhos desde o início,  na pele do solitário Arthur Fleck,  já mostra de cara que não é mais um mito, algum "elemento do mal" autóctone, que adora matar o tempo desfiando um cordão de maldades friamente calculadas para causar a maior dor possível aos inimigos eleitos, com o intuito final de enriquece

O homem que queria ser letra

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De tudo que eu um dia quis ser na vida, de tudo quanto é vocação, tendência, destino ou moda, ser gente é o que mais me entedia. Por isso, enjoado de ser gente, enjoado da humanidade e de suas possibilidades mesquinhas, um dia decidi ser letra. Mas não queria ser letra comum, igual, repetida ou banal. Pra eu me tornar letra tinha que ser assim, Letra mesmo, com inicial maiúscula, espírito e forma, letra comprida, continuada, com sentido, abstração e uma imprevisível conexão  do tipo que não faz parágrafo para mudar meus assuntos à medida em que evoluo. Letra do tipo em que não faz ponto pra respirar entre uma montanha e outra, do tipo que cria títulos que podem ou não ser lidos por pessoas ou deslidos por não-pessoas, reinventados por crianças esses eternos criadores (o que importa?) Na missão-nova de ser letra não quis ser mais uma igual, ainda que exemplos belos não me faltassem, ainda que não faltasse também admiração por eles, os criadores absolutos de palavras que salvam a v

Lampião

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Cangaço que vixe nas veias Clandestinas palavras Nunca pedem morada Simplesmente roubam De assalto o que lhes convém De armas, de almas Enriquecendo a mistura Armorial Memorial Sensorial Lampiar errante: a luz do verbo a tudo alumia mais longe, mais longo que raio avisando trovão Peça de reestreia Guerra de guerrilha inaugurando outro teatro Roubar aos colonizadores Um enredo diferente                    rente ao chão No solo insano corpos inssurrectos aprumados feito cactos

Um dia após o outro

Vivendo como um convalescente cotidiano (entra dia, sai dia entra ano, sai ano) Esse cansaço que nos antecede a fala Um golinho de lonjura faz milagres Água de sal,  águas de sol Salimar a pele nas relevâncias de todo verde A catarse necessária Dar bom-dia aos peixes sem ter que esticar palavra E, em meio àquela miríade de pequenos espelhos refletidos em polvilho de areia mergulhar a cabeça como quem reza por alguma verdade que não traga o homem como medida O conhecimento A desilusão irremediável dessa solidão existencial que atordoa e liberta Não tem jeito Essa coisa de estar vivo vai comendo pelas beiradas e uma hora atinge o osso Um navegar contínuo entre o tédio e o terror Sem saber escalas Pergunta-se ao vivente , a essas alturas: queres consolo ou a verdade? O coletivo consola mas não resolve              A um olhar mais arguto não estamos sós na beirada de tanta vida Mas é o que quase sempre nos parece Necessidade de um olhar se t

Lida

Esse povo que não desanima nunca Lá fora, o noticiário Dinheiro raleando Comida faltando Doenças grassando O mundo acabando E Dona Ertília faz em-nome-do-pai e ainda abre seu quiosque nas segundas de manhã Tem rendas, tem couros, tem cerâmica em vida e face nordestina Ri, de todos oa dentes novos, quando a sanfona aponta pelas tardinhas Não se apoquenta, não se amofina Indagada, fala sem travas sobre a vida de menina Nos encantos perdidos do sertão paraibano E assim vai levando Hora do almoço,  Luan -- ainda tão moço--  segura as pontas quando volta da aula (Freguês chega sem aviso) Na fibra, na lida, no improviso Segue essa gente tão rica em uma outra alegria tão sólida de causas nem sempre visíveis

Suçuarana

Candinha, percatas de couro cru As tiras trançadas de cartucheiras sobre o peito O sem-jeito dessa dança de longe Risca-faca no céu das secas Maria Bonita, a fita vermelha em chapéu de meio-dia Baixinha em-flores Que amores foram esses que te marcaram para além das vistas?

Amizade Estelar

Tua luta é justa, amigo Teus fundamentos, eu os conheço bem e existe nobreza no teu coração Teus gestos e tuas falas exigem coragem e atitude que terão sempre meu respeito Contudo, há uma disparidade de leituras do mundo e diferentes buscas Diferentes caminhos,  --mais, pois não vislumbro no limiar de tua perspectiva a necessária quebra das maiores correntes e a premente criação de artistas que isso poderia ensejar Falamos de um outro pano de fundo, aqui Entre a fé e o mundo sem Deus há, de um lado, um consolo que nem todos aceitam. De outro, um outro tipo de coragem e uma criatividade que se fazem necessárias como ponte sobre o abismo Saber, visceralmente, no osso, que estamos sós, e ao mesmo tempo não se desesperar, porque na vida se instila tamanha beleza por si mesma Habitar um mundo construído sob a promessa de teto e comida e vida eterna Rezar numa cartilha que, de alguma forma, fere o instinto de liberdade calcado no fundo do ser, é não ser sincero frente