Postagens

Mostrando postagens de janeiro, 2021

A terceira vista

 Quando voltei a Vitória anos depois, a coisa era bem outra. A cidade também crescera nesses dez anos, desde a primeira vez. O cheiro da maresia dominava tudo, eu morava numa torre cem metros acima do solo e sentia na pele o cheiro úmido e acre desta capital lá daquelas alturas. Era ônibus pra tudo, não tinha nem como sair de casa sem precisar.  Os lugares eram sempre distantes.  Estudava no Centro, morava na Praia do Suá, filava bóia no R.U. em Goiabeiras e me enfiava pelas tardes já na Biblioteca da Ufes, meu refúgio do mundo. Aquela imensidão de livros.  A lateral envidraçada do segundo andar lado oeste e aquele pôr-do-sol mais bonito do mundo, com urubus dando seu show todas as tardes, tendo às costas o paredão das montanhas capixabas. Dessa vez ao menos eu sabia por que vinha à capital. Não era só visita nem tinha ninguém morrendo. Evinha maior e quase mais forte, eu e mais dois. República a se formar. Três cabeças, três sentenças que depois chegou mais um e viramos os quatro jove

A segunda vista

Segunda vez a caminho da capital. Parada estratégica em Vila Velha  eu ia subindo e ralando joelho no Convento da Penha em véspera de feriado. Aquelas pedras lisas. Aquelas pedras de ponta. Não esqueço. E quando por acaso esqueço, meu joelho sempre me lembra. Enfim, desconfiado como o cão eu não era exatamente o modelo do peregrino em penitência já na idade de 15. As fichas que me enfiaram na cabeça durante o catecismo anos atrás então começavam a cair tardiamente e a sensação esquisita de que me contaram uma história da carochinha não me deixava o espírito. Em casa já passava batido na porta da igreja dia de domingo e ia direto pra rua tomar cerveja e ouvir conversa fiada dos amigos. Amparado por algumas irmãs solidárias e discretas, logo rolou a fofoca que eu andava fugindo das missas como o capeta correndo da cruz para desespero de minha mãe que me ameaçava de lá com algum castigo e uma possível desmesada. Ela me lembrava sempre do desgosto de quando tentei fugir da primeira comunhã

A primeira vista

A chegada --- Viemos pela antiga ponte, ainda não havia a nova. Saindo cedo da cidadezinha a duzentos quilômetros, tudo ainda meio parado na rodoviária, antes de entrar no ônibus. Cheiro de pastel de vento com caldo de cana, eu não comia muito cedo que ficava enjoado. Cheiro da fumaça preta do motor se aquecendo no terminal. Cadeiras duras, quatro horas sofríveis. Calor, sem ar-condicionado, no máximo as janelas abertas numa hora ingrata do dia. Fumaça de cigarro na parte de trás. A tia me olhando meio de esguelha, simpática comigo. Ela que nem era das mais simpáticas com mais ninguém, mas me tratava na palma da mão. Brava e generosa. Uma vez saiu na cabada de vassoura com uns moleques da vizinhança que tinham me maltratado. Eu gostava dela. A vista da capital, depois da ponte de ferro. Ainda não era definitivo, como seria dez anos depois. Era só uma prévia. Me perdia naquela floresta de prédios. Todos iguais, não me localizava. Me levaram para ver meu pai nas últimas. Eu não sabia. Ac

Leia

Leia Machado e Harry Potter  Chico Bento e Pato Donald Lobato e Éxupery  Gonçalves e Eça  Apenas leia Leia O Globo e o El País Jornalistas Livres e BBC Veja e Intercept , Le Monde Leia Washington Post  E o jornalzinho do bairro  Leia o sentido do vento O gosto da terra  A textura das plantas  O movimento do dia  Leia as pichações em grafite Leia sobre Botânica, Cerâmica, Pintura  Física quântica, culinária, astronomia Primeiros socorros e bulas  Manuais de instruções e gibis  Guias de viagem e outdoors Leia  As pupilas nos olhos  A envergadura dos sorrisos O timbre das lágrimas  O calor das peles eriçadas A pirraça das crianças A teimosia dos velhos Os arranhados da vida  Os classificados de jornais O trajeto dos aviões e dos urubus  As ondas espraiadas nas árvores Os rastros d'água dos navios  A borracha no asfalto dos automóveis  Leia!

Nietzsche X Déscartes

Imagem
 

A glamurosa vida de escritor

Ser por vocação o eterno estudante que anseia sem medo cada nova lição Dormir tarde ou acordar cedo  (Isso quando não incorpora as duas coisas numa mesma rotina) A faina que nunca termina  Uma idéia que amadurece Uma personagem que cresce Uma impressão É preciso mais tempo  Tempo          Tempo  O tempo fundamental da leitura-plantio  Da pesquisa, do ensaio, do laboratório  (E tudo é laboratório) O tempo crucial de crescerem os ossos  Aprimorar os olhos, adubados por dentro Em marés necessárias de introspecção  Cultivar viagens por estranhos planetas Sentir na língua o coração do mundo  quando, na raridez da vida, a boca aberta alguma vez alcança sua mordida  quando os filhos recém-paridos renegam os pais e saem pela estrada  cantando e contando as próprias razões enquanto aguarda o homem do correio  tocar novamente a campainha  E todos à sua volta estranham o fato de você alimentar tantas estantes  mesmo que pra isso um dia possa vir a passar fome  Viver com fome Acostumar-se com esta

Uma viagem ao universo da literatura Cyberpunk

Imagem
blog.estantevirtual - literatura Cyberpunk

Lavoura Arcaica

Imagem
Raduan Nassar, autor de "Lavoura Arcaica", um dos livros mais poderosos da nossa literatura contemporânea https ://quatrocincoum.folha.uol.com.br/br/entrevistas/literatura-brasileira/sabedoria-e-arte-de-viver  

Dostoievski em audios gratuitos

Imagem
  Maravilhas da net: Livros do maior escritor russo em áudios gratuitos. Mesmo apaixonados pelo texto escrito e leitura silenciosa, é pura magia ver (ouvir) a variação de formas e as diferentes possibilidades imaginativas no caminho.  O que dá pra dizer desde já é que a narrativa oral instila no sangue um outro tipo de experiência, bem diferente da escrita. Talvez pela diluição de tempo e ritmo, que em vez da acelerada leitura visual para olhos vorazes, toca algo que se processa por dentro com mais pausas, uma respiração mais profunda, que eventualmente pode realçar nuances do texto que à primeira vista passariam despercebidas. De todo modo, enquanto potência de inclusão e difusão literárias, principalmente para quem não quer ou por algum impedimento físico (ou mesmo cultural) não pode acessar a forma mais comum de leitura, é uma rica alternativa. https ://notaterapia.com.br/2020/05/21/7-obras-de-fiodor-dostoievski-em-audio-para-ouvir-online-e-de-graca/

O Nome da Rosa

Imagem
Um dos melhores autores contemporâneos Umberto  Eco (Elfi Kurten)  

Livros

Imagem
Em um meio dominado pelas celebridades  Globais passageiras, BBB's e assemelhados, que proliferam a nova praga digital, Fagundes ainda é  honrosa exceção  Oportuna, a frase Socrática, principalmente para nós que lidamos com o conhecimento: "Adoro minha biblioteca, porque ela me dá a exata dimensão da minha ignorância".   https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/326440/adoro-minha-biblioteca-porque-ela-me-da-dimensao-d.htm

Bachelard

Imagem
    Bachelard e a Fenomenologia da imaginação ----- Em como a Filosofia, esse saber com o qual  enfrentei tantas vezes o mundo e contra o  qual saí tantas vezes na porrada, pode se tornar algo muito maior quando se alia  aos bons. Mais sinestesia e menos cerebração na vida. 

A larga experiência do humano em um mundo estreito

Imagem
  Leituras de 2020. Eu que sempre escrevi proporcionalmente mais poesia e sempre fui mais leitor de prosa, ano passado me embrenhei novamente na poesia, como leitor. O mais curioso é que não foi intencional, apenas leituras intuitivas, e só fui me dar conta dessa estatística ao fazer o levantamento dos livros do período.  Alguns são releituras e contato com novas traduções de coisas lidas ainda na faculdade, outros estão faltando porque já foram pra doação, outros-lá não são exatamente de literatura ou não listei porque parei na metade do texto.  (Agora sou desses que não costumam ler até o final tudo que lhes cai nas mãos. Coisas da idade e de uma forma particular de dosar o tempo). Surpreso com a constatação, de repente imagino que não é mero acaso, essa reaproximação com a poesia. Algo de inconsciente aí. Independente de estilo, temática e fluência, a poiesis traz em si como potência a intenção da descoberta e exploração de mundos, vai mais fundo naquilo em que a prosa eventualmente
Imagem