Vida Minha
A cidade emitia sinais de vida no cotidiano. Recordo bem o texto e a mensagem. A angústia não era dor definível e não doía tanto quanto agora. Nós estávamos para o que der e vier - o possível. O improvisar e as tentativas de reviver dia a dia o lúdico: eram presentes. A fotografia do instante. Estão nestes versos que encontrei ao remexer em papéis antigos. O pardo das luzes passadas. A metáfora daqueles instantes: momentos de 1984.
Ao largo da paisagem
Do que posso vislumbrar
As luzes e a amplitude
Da cidade entre as trevas.
Parques de sonhos...
De luzes amarelas
O carro estacionado
A cancela de madeira
Atrás os penhascos
Da minha angústia...
A noite perigosa
A cidade baça
Ameaçada das trevas:
A missão salvá-la...
A cura.
Nesta noite silenciosa
Temos medo. Muito medo.
Os postes de luz
Os cabos de telefone,
Eu devo salvá-la...
A missão para a salva-guardar.
Oprimido pela noite
Decido a proteger:
A cidade me precisa...
Os penhascos e a cidade
A luz amarela das ruas
A cidade que angustia
A cidade virtual...
Eu viverei desta cidade.
Meu amor...
Olho o horizonte
Adentro o carro
Acelero
E habitarei a cidade.
Sim! Estive com um telefone em mãos, creio ter mantido contatos com pessoas que só conhecia a voz ou o nome ou que neste prédio histórico transitavam. A cidade, grande cidade, quando estou em outras, revivo-a. Mas de forma torpe e sugestiva para meus sentidos. Homem maduro que sou, estava lá planta arquitetônica do projeto realizado. A minha existência insiste em ser vida minha. Nada mais precioso. Em 1984 amava a cidade nestes versos: “Meu amor... / Olho o horizonte / Adentro o carro / Acelero / e habitarei a cidade.” Em outra cidade estou. Mas é cidade urbana. Uma cidade não de sonhos, mas concreta como esta narrativa curta onde digo de 1984, até os dias de hoje. A vida minha que aconteceu ser minha e não daqueles zumbizinhos.
Devia mesmo ser sincero. Para qualquer lado gente má. Tal como estes fragmentos de cenas da vida real que entrevemos em um vislumbre e instante sem sorte. Para ser cínico.
A luz amarela fraca e baça, as ruas ladeadas de árvores, os carros estacionados, o barulho do tráfego, a caminhada pelas calçadas, a multidão, as bancas de revistas, a mensagem televisiva, o anúncio. Deus meu!
A tempestade de um dia de verão, o mar. O cheiro de sal e a ressaca. O banho para molhar o verão. Pouca roupa. Lojas e comércios, a ficha telefônica e o bilhete de metrô. O telefone que toca!
Em uma mesa de bar bebo o gelado. A umidade do ar incomoda, estou com sal no corpo. O circular lotado e pouco dinheiro.
Adentro a livraria e compro a sorte da liberdade. Compro o bilhete de cinema e a filosofia da liberdade. A poesia urbana e marginal. Ser cidadão cosmopolita – a informação não delineada.
A missão de salvar o corpo – a cura. A febre apagada. O corpo magro e a metamorfose. Insetos no espelho.
*Marcos Oliveira é Filósofo. (blog: www.flavors.me/escritormarcos)