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Mostrando postagens com o rótulo Poemas

Inspiração

Que as pessoas que contam nessa vida despedaçada sigam sendo o que são Contra tudo e todos Alento         alimento                    inspiração E saibam sempre o quanto importam o quanto fazem diferença Na presença não alardeada no gesto simples na constância férrea e poética de suas lidas nem sempre reconhecidas quando os tempos [ e os espaços ]           são medíocres Pelo seu talento que transcende e um quê que elas têm a mais para oferecer, intensamente: a comoção de ser e patrocinar gente Que elas saibam que são notadas respeitadas e em silêncio suas atitudes tantas vezes seguidas Que saibam, por fim , mesmo sem anúncios de jornal espalhafatosos outdoors ou por mais uma explosão de mídia O quanto são queridas

Bemvindavida

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Como na celebração de Dioniso Um sonoro dizer sim ao acaso Um inconteste acolhimento à vida À incontida pulsão que não  se acomoda Inquieta, transborda e arrasta tudo no caminho Amor fati Valeria a pena ter nascido Assumir o risco de caminhar sozinho para, entretantos, ter lido um livro? Sim (!!!) eis um motivo... Que a beleza e transitoriedade de tudo que há sigam sempre a nos contagiar

A paz possível

Pai, o mundo está sempre em guerra? (pergunta o curumim, enquanto tenta curvar o arco ) Lá fora,  sempre, meu filho Não para nunca Todos contra todos A única paz é a de dentro quando aprendemos que nem todas as mãos são arcos e nem todas  as flechas estão apontadas para o nosso peito

Um oriente nos ombros

Sustentando fácil um oriente nos ombros Pórticos jônicos tombados e belos Deliciosos arabescos se insinuam para o dia Contrastando os tons que conduzem o vivo Já não há mais sol e ainda assim o brilho cegante de uma  luz

O Albatroz

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Em memória do saudoso amigo Marcos Silva Oliveira -- filósofo e poeta -- que nasceu no mês de abril e em uma bela tarde daquelas tantas  me apresentou Baudelaire Transcrevo abaixo seu poema preferido  ----------- A quem é de asas, a altura que lhe pertence. "Às vezes, por prazer, os homens da equipagem Pegam um albatroz, imensa ave dos mares, Que acompanha, indolente parceiro de viagem, O navio a singrar por glaucos patamares. Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés, O monarca do azul, canhestro e envergonhado, Deixa pender, qual par de remos junto aos pés, As asas em que fulge um branco imaculado. Antes tão belo, como é feio na desgraça Esse viajante agora flácido e acanhado! Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça, Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado! O Poeta se compara ao principe da altura Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar; Exilado no chão, em meio à turba obscura, As asas de gigante imped

Menino do mato, menino do morro

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Nascido e criado no mato entre pedras e quedas d'água depois de tanto tempo ainda reflete na alma a falta que tudo aquilo faz não adianta a gente não se acostuma mais se um dia esteve lá mergulhando no rio, lavando riso entre as pedras verdes e frias empurra com a barriga, depois e vai habitando entre os concretos imprensa daqui, se amarga de lá tentando achar que tá tudo bem e que tudo é assim mesmo mas não é. a gente finge e enquanto segue inadaptado vai se apegando a qualquer raminho verde que salta aos olhos entre as calçadas disputando o sôfrego sol com os tons de cinza a gente finge que se esqueceu ou que não liga mas mesmo sem querer vai correndo para os espaços abertos disponíveis, alguns com talento cultivam a mata atlântica em casa tudo isso pra tentar manter-se vivo e pertencendo depois de tentarem umas três vezes desta feita os homens cortaram a mangueira no terreno atrás do meu quintal não sem aquele estardalhaço típico de quem con

A doença e a cura

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De que valeu entregar as chaves da casa aos próprios lobos que, com seus desígnios rotos trucidaram todas as formas de vida sem pedir perdão ? De que valeu a boa ou a má-fé dessas nossas eternas crianças apostando no poder do mais forte em administrar a morte e imaginar isso como uma ação em comum benefício? De que  valeu pensar a liberdade como sonho isolado de anárquica felicidade se o pressuposto básico de ser feliz é  saber fazer feliz mais alguém? De que valeu tentar ser zen e continuar mistificando a realidade ou se ajoelhar e pedir a bênça se a realização desse mundo do além impõe tantas perdas ao daqui que se tem? De que valeu depositar tamanha fé nas mãos dos senhores dos números que, na verdade, nada produzem apenas conduzem com suas altas taxas a proliferação das pequenas ruínas? De que valeu ainda elaborar com todo cuidado profissão, realização e missão os mesmos conhecidos engodos que na verdade nunca bastarão? Passada a tormenta (

O tempo e o verbo

Alimento Alimentas Alimenta Alimentamos Alimentais Alimentam

O vírus que sacode a vida

Há muito o que dizer Há muito o que pensar Há muito o que pintar Há muito o que cantar e dançar Esculpir, desconstruir e construir de novo e sempre                       Incansáveis, quando este novo tempo se restitui Um tempo precioso, roubado à máquina Há muito o que contar, ensaiar, descrever Parece difícil -- agora -- acreditar mas as pessoas,  lá na frente, vão querer , vão precisar saber o que é que só você  viu só você sentiu Como a vida ou a falta dela o medo, o sufoco, a clausura a ruptura dos padrões impostos Como é que a nova bolha te impactou? Em que lugar do corpo você sentiu o golpe? Aonde te fizeram sangrar? Ou na verdade a bolha de antes era pior? Ou se esse tudo sentir,  tudo ver é também algo compartilhado algo que transcende o subjetivo algo que repudia o isolamento e busca outras formas de se coligar Uma sintonia maior com o que há E o sentir junto sendo essa-uma nova forma resgatada de existir? Toda história merece ser con

Os olhos de Lorenzo

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Hoje é seu aniversário e há exatos 22 eu abria a porta do carro saltando pra fumar angustiado no quintal meu último cigarro Os olhos -- saudosos por antecipação sobre as nuvens suspensas no escuro -- Círculos de fumaça evanescendo e absorvendo o céu (coisa de gente besta) Mas a cena era meio triste Largar o cigarro,  abandonar o único amigo que me socorreu nas horas de maior solidão A bronca da mãe --com toda  razão -- ainda no meu ouvido A voz daquela menina (casa com criança não combina com fumaça, nem exala nicotina) A exasperação nem era por isso [Fosse o mal da vida o ter que largar um vício] Era mais pela ciência do novo vínculo O peso intrínseco do compromisso A execução sumária de um certo tipo de liberdade Paternidade: a potência desse soco Esquecer todo o aprendido e fazer disso a missão de se tornar capaz Brincando de reinventar existências A madrugada seguia neblinando sobre a cabeça preocupada do sereno preocupada do trabalho preocup

Poeta é o que (r)existe

A poesia jamais se cala Nasceu sem ser convidada Do lugar de onde veio a fala De um espaço que -- tornado tempo -- gerou música Celebrada, incensada Proibida, cuspida Ritualizada e marcada no barro Falou com os deuses Habitou oráculos Conjugou as preces Conduziu multidões Esculpida em vida sobre a pedra Testemunhou o auge e a ruína dos reinos do Nilo As incomensuráveis riquezas persas ainda hoje tão corpóreas (o poeta e sua memória) Testemunhou a guerra das guerras Onde deuses e homens disputavam a narrativa de um mundo maior Viveu a decadência de Atenas Foi expulsa da República por Platão [mas não sem antes ele ter se embriagado de Homero Píndaro e Hesíodo Platão que sabia, como ninguém da vocação do verso, do seu poder Sua capacidade de subverter o óbvio, e não se submeter: o destino de  criar o novo E isso sendo a materialização do medo para os que dominam a velha ordem] Vivenciou guerras, massacres O êxtase coletivo dos vencedores A d

Urubus em espirais

De costas no jardim O ar de abril se abrindo para o mês mais bonito quando felizmente lá se foi (tarde) o verão Olhos parados no céu limpo A brisa que vem mais fresca às narinas Um doce azul de gastar as vistas Mais de hora observando esses urubus em finais de tarde Nas espirais contínuas Nadando pelas correntes térmicas Calculados ângulos De por si, seriam já coisa pra esquecimento Uns simples passarinhos atribulados em busca de alimento Mas me vêm à memória os outros urubus o Condor de Castro Alves o beque de Rubem Alves o Urubuquaquá, do JGR O Urubu-Mestre do Jobim O Urubru-Cruzeiro do Seu Antônio Seu sentido fora-do-tempo fica em mim como alento enquanto também flutuo em geométricas espirais

Saneando o insano

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Pandemia anomia um vírus essa coisa nem bem couro nem osso nem carne nem planta cristal de centelha anárquica torrando todas as certezas conspurcando os veios da máquina pra libertar alteridades do calabouço impondo a contrassenso o que seria tao natural mas soa hoje  maldição a presença doce ou amarga do outro e suas desgraças sua poesia trazendo à baila as mesmas velhas verdades sempre tão veladas à luz do dia impondo ainda o desgosto como senso crítico resultado da percepção desvelada súbito de um tão insuportável presente no planeta porque simplesmente  de uma hora pra outra por um fato fora do prumo afiado feito lâmina obtuso como soco se põe olhos sobre  um não-futuro que a rigor nunca houve afinal somos-para-a-morte no fim e todo futuro uma especulação  matemática sem lógica a ciência que por tantas vezes tropeça a fé que às vezes alenta mas não resolve a arte que se desespera mas como sobrevivente ativa num campo de batalha não deixa de plantar sua muda no solo árido das p

Café

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-------------- (Para Ariano ) I. Toca mais à frente, que nosso lugar ainda não é aqui -- ele disse -- e do Alto Calçado chegou: pouca herança, o braço forte pés pisando duro, peito cheio de esperança e um  sentido seguro para os negócios Vinha assim o velho, e subia a montanha com olhos de amanhã, nas mãos o menino baixando a meio caminho a  visão sobre o vale a saudade e o sumo do que deixou para trás´ "quero é mais: terra nova, vento frio batendo no rosto" "Verde, tudo verdim, rio não longe, mina d'agua eeeh, ôoooa boi! quase tudo a meu gosto!!" o altiplano bom para o cultivo da planta a junta de malhados ralando casco na pedra a mulher de lenço branco na cabeça Serenou-se feliz no território da Água Limpa --  um quadro em sépia na sala junto aos santos -- o espaldar dos filhos penteados e enfileirados como o olhar pedagógico do pai na cadeira em volta, as madeiras de lei, o solar e o terreiro Gaiolas e mais gaiolas d

Massa

"Debulhar o trigo Recolher cada bago do trigo Forjar no trigo o milagre do pão E se fartar de pão" (Cio da Terra, Milton Nascimento & Chico Buarque) -------------------- O pecado justificável da gula retribuição ao gosto do pecado -- para os que acreditam em pecado -- Sensualidade permitir que os sentidos mostrem o quanto se está vivo mordendo em garfadas a pasta que desce doce pela garganta O pão besuntado de manteiga A massa assada sendo nosso primeiro chão O grão, as mãos sobre o grão geração após geração Respirar, pausar, não ceder Perceber, no mastigar as vidas envolvidas A nobreza do plantar As coragens dissolvidas As incertezas de colher Segue o moinho moendo o trigo roendo vidas pra fazer o pão captando ventania e transformando em poesia o moinho, sempre                         o moinho

Gorgonzola

Como se o Demo viesse à Terra e fecundasse  o cio das vacas com o teor  de alguma coisa profana E lá na frente -- depois de extraído o leite fermentada a argamassa o tempo generoso e a umidade pulverizando os veios azuis -- Viesse, súbita lúgubre e bem vestida -- a morte com seu perfume  -- e empesteasse tudo com o desejo insano de provar o sabor Ácido, doce, gorduroso, amargo (em suma, profano) como o que incita à compulsão Com a larga taça de tinto em diabólicas tretas A língua solta dançando no céu da boca

Manteiga

A metáfora da manteiga Bela quando soa lúbrica em pasta mistura de ervas mel, noz moscada ou alecrim O neutro adocicado batida, batida, batida A evolução da gordura que um dia foi leite tocando alto o  palato Arvorando-se em espumas no fundo largo de frigideiras Derretendo-se aos poucos até tornar-se uma outra coisa Mas ainda assim, à mesa milagrosamente sendo a mesma A felicidade-em-verso do chef-em-aprendiz quando se prova do molho e a moça diz, toda satisfeita: Que delícia,  me dá a receita!

A revolução da comida

O paladar sendo paladino de uma outra ordem Desacelerando o processo da comida Questionando o progresso como medida Óleos e cores  Azeitona dos campos espanhóis integrando o cheiro verde de oliva O verde veemente das couves trazendo pela língua Vermeer de volta à vida O feijão e o tomate lavrados pelo pequeno agricultor que vai chegar em casa feliz com o sustento dos filhos Aspirar o cheiro intenso da laranja sobre-a-mesa em suculento convencimento O olfato integral sobre o alimento que encanta a boca e metafora-se em versos E, no calor do estômago, aproveita à substância que segue seu destino fazendo poesia e ritmo no alçar dos intestinos

Cru e cozido

Sair à caça como movimento e ritual alcançar a forma do espírito animal comer a carne ainda sangrando do bicho que se acabou de matar Adquirir assim a sua essência se é bicho de vôo, aprendendo a voar se é bicho de força, aprendendo a lutar se é bicho de mergulho, afundando no mar Capturar no laço o bicho em pleno vôo na ponta desta flecha repleta de tinta fazer com que a tinta se espalhe na página e o sangue azul  jamais se apague Transmutar assim a sua essência se é bicho de vôo, seguirá a nadar se é bicho de força, seguirá a voar se é bicho de mar, aprenderá a caminhar

Cardápio

Irmãos, amigos, a molecada toda aguardando a bóia as primas mais velhas comandando a bagunça azeite e fogo roubados à vera no canto da cozinha aprendiz de Prometeu levando luz aos confins do mundo correndo moleque ao longe dos velhos olhos o bolso de sal, fígado de frango e algumas abobrinhas