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Motivo, forma, conteúdo (grunhidos pretensiosos sobre a subjetividade em "Os Passos em volta", de Herberto Helder)

Senão uma das maiores justificativas do fazer artístico, sem dúvida a mais bonita é a certeza do olhar que é unico, insubstituível e confere a cada história particular o direito de ser contada Mesmo quando as experiências em tantos aspectos parecem iguais em espécie Sendo tão diferentes na forma de serem vividas O saber que cada voz tem seu tom O tema, recorrente pra mim, me cai novamente nas mãos depois de uma desafiadora leitura onde o autor, um dos maiores, teima em falar de coisas banais em sua rotina de alguns anos rodando por aqui e ali sem rumo Os lugares e situações, impossível ser mais lugar-comum de qualquer viajante em qualquer lugar Os objetos, as rotinas previsíveis mesmo diante da continua mudança de ares, de pessoas, de país,  de hotel ou dos quartos de pensão Mas a forma como ele falou disso tudo Intencional, premeditada, convidando à irritação do jogo e da construção não-obvia de outros espaços e olhares Isso jamais sairá da minha men

Cenas urbanas

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Que me perdoem os liberais, libertários ou anarquistas pós-modernos que sempre têm a tendência a   valorizar em absoluto toda e qualquer atitude humana como arte. Nem mesmo Aristóteles, um dos pilares de nossa herança sobre o conhecimento do mundo, com toda sua cabeça organizadora e classificadora admitiria tamanha abertura. Para não perder o fio do argumento nas infinitas e densas discussões sobre estética e teoria da arte, eu falo especificamente da contradição entre a pichação e o grafite como como diferentes formas de criar pertencimento ou ruptura com o mundo à sua volta. As intervenções nos muros da cidade estão aí como propostas estéticas diversas, expostas como verdadeiros painéis potenciais da arte ou seu completo impedimento. Substituindo um pouco a teoria pelo testemunho prático de uma boa e atenciosa andada a pé por alguns  cantos da cidade, não há como não perceber uma diferença sensível entre as duas propostas mais recorrentes de ocupação do espaço por vias estética

O mundo de Arthur Fleck (Coringa, 2019)

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(OBS: tem Spoiler, e muito) ------------------ Assistindo pela segunda vez ao filme de Todd Phillips, apenas porque achei bonito demais da conta. Depois de ler zilhões de críticas e abordagens nesse interregno de duas semanas entre a minha primeira e a mais recente sessão, e sendo filme que enseja tantas variantes de análise, há duas questões aqui, que parecem não terem sido muito notadas pela crítica em geral. Falando mal ou  bem da obra, compreensivelmente eles buscam elementos mais próximos da história do cinema ou da óbvia comparação com o universo comics nas explanações.  Buscando outras leituras possíveis, o novo Coringa, em sua humanidade desajeitada que salta aos olhos desde o início,  na pele do solitário Arthur Fleck,  já mostra de cara que não é mais um mito, algum "elemento do mal" autóctone, que adora matar o tempo desfiando um cordão de maldades friamente calculadas para causar a maior dor possível aos inimigos eleitos, com o intuito final de enriquece

Pulsão, Sublimação e Imaginário no "Werther", de Goethe

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"Ah, se pudesses expressar tudo isso, se pudesses imprimir no papel tudo aquilo que palpita dentro de ti com tanta plenitude  e tanto calor, de tal forma que a obra se tornasse o espelho de tua alma, assim como tua alma é o espelho do Deus infinito".... ("Werther", J. W. Goethe) "E se adormecesses? E se, no teu sono, sonhasses? E se, no teu sonho, subisses aos céus e ali colhesses uma estranha e bela flor? E ainda se, ao acordares, tivesses a flor na tua mão... Ah, como seria, então?" (S.T. Coleridge) A noção inovadora para a época, uma bomba existencial  onde subitamente os "sentimentos do mundo" passam a contar muito mais do que os "pensamentos sobre o mundo", colocaria em definitivo à margem da história o peso absoluto das abordagens racionalistas para a  sua interpretação, até então propagadas pela filosofia sistemática do século das luzes e pela ciência de época. Onde está a razão agora, depois do baque, onde está o equi

"Matrix", Alice e os paradoxos do contemporâneo

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Lembro-me, nostálgico, do conceito de futuro exposto por  Fritz Lang, no filme cult "Metrópolis", realizado há quase cem anos... A coisa toda ficou bem pior do que o gênio alemão poderia supor. A sensação claustrofóbica e a vertigem  de estar de pé em um planeta que parece girar cada vez mais rápido, num universo em contínua expansão, a sociedade pós-industrial  criando e destruindo referenciais com tamanha facilidade e volume que torna impossível a qualquer mortal assimilar a quantidade e a qualidade de informações julgadas necessárias para a sua vida. Situação de perda, que gera um certo descontentamento ou frustração diretamente proporcional à escala em que as próprias notícias, a tecnologia ou o conhecimento são produzidos. Ou seja, quanto mais informação, maior a tendência a uma relativa perda do referencial, e maior a sensação individual (em alguns casos coletiva, quando atinge determinados grupos) de perda, de incompletude, de infelicidade, enfim, de que está faltand