PENSAMENTOS E VÃS
FILOSOFIAS DENTRO DE UM BUSÃO QUENTE E LOTADO, A CAMINHO DE MAIS UM DIA DE
TRABALHO NUMA SEXTA-FEIRA QUALQUER DE DEZEMBRO
Fim de ano difícil esse, e
mais um jornal de sexta-feira nas mãos. A rotina da vida retratada na grande
imprensa: nunca nada de bom. A vida sempre maltratada nas primeiras páginas:
cuspida, subornada e destituída de qualquer dignidade. Jornais com sangue, lamas
reais e figuradas, todas expostas em manipulações baratas e informações
compradas e vendidas sobre os rumos do país.
Tento largar o jornal de
lado e olhar à direita para aquele monte de Flamboyants vermelhos que acabaram
de abrir suas flores no campus da UFES, bem ali do lado. Se não houvesse
calendários , eu já saberia que era dezembro em Vitória, pelo calor, a umidade prevendo
nova chuva para hoje e principalmente por essas árvores sem igual. Flamboyants,
por definição, não lançam florada, eles explodem, e esse explodir também é um
explodir de vida, de cores, de sentido, mostrando que a natureza não quer ser
subjugada, ela quer se superar, quer ser sempre mais.
Volto ao jornal e penso
neste país que sequer pôde se tornar de fato nação, porque ainda hoje depois de
tantas e boas lutas, permanecemos ainda injustos e controláveis por pequenos
grupos que detêm o poder e ditam como sempre boa parte do nosso comportamento.
Permanecemos ainda irracionais em nossos ódios coletivos e individuais, um país
onde não há um projeto sequer com nível e características tais que possa unir a
maioria em torno de algo relevante, enquanto minorias tentam honrosamente
salvaguardar o que merecia muito melhor acolhida por parte de um Estado mais
justo, que de fato não há. Minorias que ainda fazem bonito por sua determinação
e maior consciência de mundo, lutando contra o racismo, a homofobia, direitos
de gênero e por cada vez maior inclusão social. Do aspecto macro, de
gerenciamento da máquina , a consequência mais óbvia é que, se não há um Estado
mais justo ou que pressuponha formas mais livres e efetivas de participação
popular, o Estado torna-se apenas o algoz pago pelos mesmos cofres espúrios que
impedem o desenvolvimento de uma nação, simplesmente porque não é do seu
interesse um povo livre pensante.
Acompanhando boa parte dos
comentários de páginas da net, posts de facebook ou chats de jornais, nos
debates sobre publicações relevantes que surgem a toda hora, é de uma
pusilanimidade, um horror, uma falta de gosto e de fazer uma vergonha enorme
ser brasileiro. Não consigo acreditar que quem está ali, dando essas opiniões
sobre política, negros, pobres, opiniões estas que em sua maioria são
xingamentos, escarros e vômitos execráveis, sáo também brasileiros como eu, são
meu vizinho, meu colega de faculdade ou do trabalho, o pastor daquela igrejinha
supostamente pacífica logo ali da esquina ou até aquele professor tal que anos
atrás causava admiração na escola. Impossível a unanimidade de idéias, ações,
ou propósitos na vida, isso é claro como dizia Caetano em “Alguma coisa fora da
ordem”.
Pra não perder a esperança
de vez e ainda pensar que temos saídas, digo que é por isso é que faz falta
projetos de país que possam senão extinguir, ao menos diminuir
significativamente tanto ódio e falta de noção que fazem de nós a cada dia mais
fracos e fragmentados, incapazes de somar forças em direções positivas e mudar
qualquer quadro para melhor num sentido mais amplo, de conotação nacional.
Continuamos buscando a dependência cada vez mais de um estado paternalista, a
“imagem do pai” que nos possa confortar e dizer que está tudo bem, o pai que
nos sustente, mesmo que esse Estado possa vir a atuar de maneira anti-ética, de
maneira desumana ou não sustentável. Essas mesmas notícias de jornal que , de
formas tortas, há muito tempo dão conta do "naufrágio da política" e
persistem por ação ou omissão na continuidade da propagação financiada do
desrespeito ao meio ambiente, desrespeito ao espaço do outro e todo tipo de
ruínas. A depender do que se vê hoje nos jornais, era melhor nem sair de casa e
tentar mudar qualquer coisa. A sensação e´ do tipo: Faça um favor a si mesmo e
jogue-se em algum buraco no caminho pro trabalho, de preferência com algumas
pás de cal em cima. E esse, de fato, parece ser o interesse de boa parte desses
grupos que gerenciam as informações em massa.
Contudo, ha´sempre um outro
lado. Não é dizer jamais, como o célebre “Cândido” do imortal Voltaire, que há
sempre “o lado bom de tudo”. Não há. Mas eu, como poucos, ainda sou otimista
apesar do barulho ensurdecedor de um final de ano negativo como poucos de que
me lembro na vida. Primeiro, porque no meio dessa guerra interminável que
caracteriza a vida, houve importantes tomadas de posição, e segundo porque
sabemos por intuição ou experiência que “o novo sempre vem”. Eu que nem sou
crente, creio firmemente nisso. No meio do lamaçal da política, nunca vi anteriormente
as instituições civis funcionando em tamanha escala, tanta gente em todos
escalões, em todo nicho do poder, sendo investigada, processada, muitos
realmente punidos, numa quase total melhoria da transparência da ambiência de
negócios e suas relações escusas com a grande política no país já vista nos
últimos 30 anos. No outro lamaçal, aquele trágico e criminoso propiciado pela
Vale, que ainda não terminou e todos esperamos numa verdadeira justiça
“compensatória” tanto para a natureza quanto para as populações envolvidas, eu
também vi como nunca antes uma tomada de consciência poderosa sobre a vida,
sobre a natureza, uma maior consciência sobre a água, cidadãos saindo do
marasmo e partido pras ruas, questionando tudo sobre o caminho negativo e coletivo
que vinha sendo percorrido até aqui, e exigindo dos governantes e grandes
empresários soluções para os problemas que eles mesmos criaram. A mesma lama
que encobriu a política e estourou o maior rio do sudeste também é a que
acoberta maus policiais, aqueles do tipo que chacinaram novamente com a
conivência da mídia um grupo de jovens negros no RJ, nisso que já se tornou
rotina aqui no país, e amargamente no RJ, simplesmente porque eles eram negros
e andavam de carro. A onda de indignação que toma conta das pessoas, revela um
ambiente angustiante e sofrido por um país que ainda tem dentro de suas
polícias práticas ditatoriais, uma herança maldita que mistura incompetência,
ma´-formação, salários ruins e um sistema de punição/recompensa que premia o
soldado ruim, cruel, em detrimento da inteligência e do trabalho preventivo.
No meio de tanta coisa ruim (e isso, o
fato em si, a imprensa não inventou, porque elas existem e são ruins mesmo), eu
prefiro lançar o olhar sobre outro quadro, desta vez imensamente positivo, e só
ganhou as notícias mesmo porque o sistema de informação paralelo na pressão das
redes sociais sempre navegou na direção contrária da grande mídia. As ocupações
das escolas em SP, além de outra demonstração clara que o principal partido de
oposição o PSDB, também não tem qualquer plano superior para o país e nem
sequer sabe para onde está indo. Assim como Richa, no Paraná, é desesperador
ver Alckmin reunindo tropas para surrar e prender estudantes e professores sem
qualquer razão. Estudantes e professores que nesse momento são ou deveriam ser,
pelo menos, nossos verdadeiros heróis, e o símbolo de que não se pode abrir mão
de tudo, abrir mão das conquistas, abrir mão da própria vida enfim, porque não
tem preço. A sua atitude nesse momento, que com felicidade complemento nesta
data dizendo que acabaram de ganhar na justiça o reconhecimento direito
legítimo à ocupação motivada, e ato-reflexo, a recuada das garras do governador
de SP. Não se sabe se vão ganhar, ao final, ou se vão perder. Não se sabe se
Alckmin, sempre determinado em sua saga tucana, abrirá mão desse projeto insano
de destruir as escolas paulistanas sem qualquer trabalho prévio de consulta ou
debate aos mestres, às instituições educacionais ou à população envolvida.
Contudo , é de um enorme orgulho ver que essa primeira batalha foi ganha, e com
muita dignidade. Que eles sejam nosso exemplo de que há possibilidade de um
futuro melhor, e que também seja o reconhecimento de que, para isso acontecer,
é necessário resistir, ocupar, minar as tropas do inimigo nem tanto com a força
bruta, mas com o amor, a inteligência e a motivação pessoal que querem
acreditar que o novo também é possível. Uma revolução de valores como as cores
daqueles flamboyants, que explodem num sentido metafísico, metafórico,
mostrando que a vida pode ser mais, e empoderar escolas, alunos e professores
com novos desígnios do amanhã , sem dúvida, é um belíssimo começo. Que essas
novas escolas floresçam como os grandes flamboyants.