O Domador de Ventos (OU: A definição do vôo enquanto coisa)
Tarde vento de sol a pino. o elo a seda, a linha e um menino. entre o morro e o mundo a contemplar pipas, alinhar vidas em suas asas translúcidas num céu azul de pura ventania. Enquanto pequenos curumins inexperientes na arte do vôo quedam-se na beirada do campo para apreciação, os grandes pilotos se aprontam para seus duelos. Os menores, arriscando improvisados jerecos feitos de papel comum de página de caderno. levantados ao baixo do ar com muita corrida, poeira e pouca linha improvisada de costura: fina, imperfeita, linha rompedeira. Os maiores, galopando ansiosos o esperado mês de Agosto, meninada correndo em alvoroço, torvelinho se aventando no antigo campo de aviação. Não sobe nem descia avião, mas é o aeroporto natural das pipas.... Agosto! Agosto!Tarde de agosto num pacto silencioso e não escrito pela confraria do ar: agosto não tem futebol a tarde inteira, espaço tomado por carretéis, agosto não tem mais estudos pra prova na manhã seguinte, não tem lanche da tarde e quase nem tem almoço. Em agosto Para-se tudo, tudo o mais que espere, porque antes do dever, pipa é felicidade. Prioridade das pipas navegando como imponentes galeões sobre a cidade. Quem já segurou a linha esticada de uma pipa é que sabe. sentir seus batimentos, o coração pelo fio..... O vento... A febre...A boca seca... Os olhos fixos queimando contra o sol.
Os melhores apresentam suas cartas. O experiente experimenta, exibe o estilo no papel suave _papel de seda_ cada um com sua melhor aposta, a arte e a e técnica calculada para deixar sua marca no manejo das cores de borboletas teleguiadas no longínquo findar do céu. Todas rumando por identidades e insígnias diferentes, cada uma a relembrar o cavaleiro audaz a galopar seu brasão e escudo: Estampa do Glorioso Botafogo é Carlim. Azul -vermelha, quadriculada xadrez, é Sivanildo; aquela amarela papel rajado é o Cebola; papel pardo-pão pequeninha é Salamonico; verde esperança, o Geraldinho; Marquito, como sempre, exibindo os cruzados: as cruzes contrastadas, como na conquista dos Mouros: Corpo amarelo: cruz azul. Vermelho : cruz branca. Branca: cruz vermelha.
Estratégia é arte de véspera: colas, linhas, tesouras e facas. Carretéis, manivelas, latas de alumínio ou garrafas para o enrolo das linhas grossas número dez ou o famoso "fio urso", pesado e difícil de arrebentar. Mãos ágeis desfiando bambus cortantes com cuidado e montando o esqueleto leve e ousado que, uma vez mergulhado em capa de papel brilhoso orgânico dos bichos da seda, em breve ganhará os ares. Descascar bambu fino rebuscado no mato com precisão. O bambu não pode ser verde nem seco demais. Bambuvida, onde o cuidado porque verde enverga antes da hora e o seco quebra muito fácil. De vez em quando uma mão cortada, esparadrapos improvisados no estanque: papel salpicado de digitais vermelhas. O sangue pela arte. Corpo de seda, bambus desfiados tirando lisos do excesso de peso aparado por artistas. Bambus todos alinhados e em três vias duplicados num hexágono de varetas paralelas alinhavadas fixas e perfeitas. Amadores vão de jereco, papagaio e cuíca. Artistas só voam de pipa.
Cabresto estudado sob medida para esse puro-sangue dos céus. Rabiolas gigantes e coloridas de dragões chineses subindo aos firmamento pela primeira vez, no equilíbrio carnaval de fitas alinhavadas, cíclicas, padrões alternados seguindo a cor principal metros e metros sob um sol quase estival , quedando-se ao vento inclemente das tardes de agosto. A pipa produzida noite passada, alimentada, criada e cuidada no coração-criatura irmanada em sangue veias e sentimentos subindo aos céus pela primeira vez é a sensação de paternidade sobre um ser todo-feito de luz. Cuida senti-la, ao longe, pulsando seu corpo de vento sobre a linha tensa e quase reta, esmedida com alerta para não dar barriga e responder prontamente aos comandos manuais. Cuida menino, que essa linha é o umbilical ligamento com a vida, e a pipa de seda o futuro que delavante toca o pingar das nuvens beiradas. batida do vento. coração. pulsação. calmaria. pulsação. calmaria. Agosto é vento. batida sincopada, tarde inteirinha e chuva que se avizinha. mas ainda tá longe. dá linha, dá linha, dá linha, até perder de vista. mas ela ainda tá lá. não dá pra ver mais. mas ela tá lá. eu sinto que tá. como pescador que não vê além da superfície do mar aonde lançou sua linha, mas sabe que tem peixe rondando a isca, enquanto o anzol flutua. sente quando fisga. o vento suga. a pipa vai, e estabiliza no paravento. peito brilhoso de seda, esqueletos bambus precisos e leves. rabiola de sustentação e controle. céu colorido de seda.
Súbito, delavêm as do morro vizinho. Nós aparamos daqui, com sorte. Se o vento mudar, atacamos primeiro, e eles aparam de lá. Pipas lançadas, velas diminuindo ao longe, nos pontilhados de tinta impressionista sobre o céu de Cerol, se tem coragem. Sem Cerol, se falta coragem ou as mães proíbem. As mães sempre proíbem desde que Joninha quase morreu ano passado por conta de um pescoço quase decepado. Benza Deus, Joninha tá vivo ainda mas não solta mais pipa e o cerol foi cassado de vez. Melhor assim. Ainda dá pra cruzar na habilidade e leva a melhor quem for o melhor. Marquito é rei no terreirão de chão batido na poeira. Pipa de peito cruzado no alto, alteando cada vez mais até estacionar rum pontinho perdido, longe das vistas, apenas sentida pela tração na linha. Ela parece parada, tem vez. Estudando os estáveis do ar. Dois carretéis de Linha Dez emendados, a pipa ganha distância e some no espaço. Barriga pela distância, ela responde lenta aos comandos. Chama atenção pela beleza, envergadura e pelo longe até onde vai, e logo caem em cima os despeitados desafiantes do morro de frente, questionando o ar imperial daquela ousadia. Vem verde riscada de lá, morro à direita, Marquito debica à esquerda, fugindo quando quer, e ninguém o alcança. Recolhe linha velozmente na manivela, e já está mais próximo e controlável. Surge vermelha maior à esquerda, encostando no lado contrário por um capricho de vento que muda a direção sem aviso.
Agosto é assim. (O mês dos ventos, quem solta pipa sabe). Marquito é o rei e debica novamente, à direita, fazendo rápido o conhecido movimento do "Z", pra fazê-la dançar e depois derriçando direto numa puxada única, de mão a mão, deixando carretel solto, jogado sobre o chão, e andando metros atrás, incansável sobre o terreirão. Em uma fração de segundo, a pipa, antes a dois mil pés de altura, agora ali pertinho, quase tocável com as mãos, encostando a rabiola sobre as cruzes e catacumbas do cemitério velho. O toque das mãos sobre a seda, no reconhecimento do dono a seu filhote. A Pipa quando volta lá de cima, nunca é igual mais. Está encantada. é outra porque destemeu o mundo. Sobe novamente, vento no peito, é só puxar forte e depois dar linha duas ou três vezes, o papel de seda fazendo aquele barulho de garganta seca bebendo vento no engasgo e ela logo está de novo no lugar mais alto, ágil e corisco buscando o desafiante que agora partira em retirada , acuado pelo vento contrário. Marquito dá linha, e sente o momento favorável, mergulhando sobre a cauda do oponente, e seus cautelosos dez metros de cerol clandestino depois do cabresto são mais que suficientes para cortar qualquer coisa que ali encoste, sai cortando e aparando o adversário, que pula e grita inconsolável lá do outro morro, donde só vemos as figurinhas formigáveis e agitadas.
Com ou sem os espinhos cortantes de cola-de-boi com limalha de metal ou pó de vidro, elas voam ao embate, peito à mostra numa coleção de cores, caleidoscópios de papel ao reflexo do sol. Plural de confetes coloridos em pontos luminosos sob o teto azul claro espirrado de cirros. Nós, impávidos no cháo, e o sol seco de agosto agasalhando aquelas almas coloridas. Não se sabe o que o sol vê, mas se percebe que ele fica mais feliz nos dias de pipa no ar. Entre nós e o sol, esses mosaicos translúcidos borboletas de todos os tamanhos, todas as cores, todas as técnicas para os infinitivos de confeccionar, empinar, debicar, cortar, cruzar, aparar, e quase sempre chorar quando se perde a pipa mais perfeita pra algum predador do outro lado do morro.
Pipa que se perde é como filho partindo no mundo. Aquela preciosidade duramente trabalhada durante dois dias eternos, agora descendo lentamente a esmo cortada. Quando caem, a meninada corre logo atrás, no resgate. Uma olimpíada de obstáculos e méritos próprios dos recolhedores de pipa, que sabem o preço do seu prêmio.
Pipas perdidas em árvores, em fiação, em telhados inacessíveis de casa. Todas são resgatadas como a própria vida que chama. Capturadas já quase sem vida, sem linha e sem dono, é de quem pegar. tá certo. Quem pega admira, aquele pássaro na gaiola, repara a arte, observa o feitio que tanto revela do seu criador. Uma vez cortadas, se soltam, toando na descida uma canção desamparada, como uma cabeça pendendo torta do pescoço num corpo abatido pela guerra, descendo rota até o chão, enquanto dança e exibe o rosto à direita e à esquerda, dizendo um não continuado até o chão. Destino de pipa quando cai é só o corpo, porque seu espírito já se amalgamou para sempre ao espaço, e de lá, ele não volta nunca mais.
Os melhores apresentam suas cartas. O experiente experimenta, exibe o estilo no papel suave _papel de seda_ cada um com sua melhor aposta, a arte e a e técnica calculada para deixar sua marca no manejo das cores de borboletas teleguiadas no longínquo findar do céu. Todas rumando por identidades e insígnias diferentes, cada uma a relembrar o cavaleiro audaz a galopar seu brasão e escudo: Estampa do Glorioso Botafogo é Carlim. Azul -vermelha, quadriculada xadrez, é Sivanildo; aquela amarela papel rajado é o Cebola; papel pardo-pão pequeninha é Salamonico; verde esperança, o Geraldinho; Marquito, como sempre, exibindo os cruzados: as cruzes contrastadas, como na conquista dos Mouros: Corpo amarelo: cruz azul. Vermelho : cruz branca. Branca: cruz vermelha.
Estratégia é arte de véspera: colas, linhas, tesouras e facas. Carretéis, manivelas, latas de alumínio ou garrafas para o enrolo das linhas grossas número dez ou o famoso "fio urso", pesado e difícil de arrebentar. Mãos ágeis desfiando bambus cortantes com cuidado e montando o esqueleto leve e ousado que, uma vez mergulhado em capa de papel brilhoso orgânico dos bichos da seda, em breve ganhará os ares. Descascar bambu fino rebuscado no mato com precisão. O bambu não pode ser verde nem seco demais. Bambuvida, onde o cuidado porque verde enverga antes da hora e o seco quebra muito fácil. De vez em quando uma mão cortada, esparadrapos improvisados no estanque: papel salpicado de digitais vermelhas. O sangue pela arte. Corpo de seda, bambus desfiados tirando lisos do excesso de peso aparado por artistas. Bambus todos alinhados e em três vias duplicados num hexágono de varetas paralelas alinhavadas fixas e perfeitas. Amadores vão de jereco, papagaio e cuíca. Artistas só voam de pipa.
Cabresto estudado sob medida para esse puro-sangue dos céus. Rabiolas gigantes e coloridas de dragões chineses subindo aos firmamento pela primeira vez, no equilíbrio carnaval de fitas alinhavadas, cíclicas, padrões alternados seguindo a cor principal metros e metros sob um sol quase estival , quedando-se ao vento inclemente das tardes de agosto. A pipa produzida noite passada, alimentada, criada e cuidada no coração-criatura irmanada em sangue veias e sentimentos subindo aos céus pela primeira vez é a sensação de paternidade sobre um ser todo-feito de luz. Cuida senti-la, ao longe, pulsando seu corpo de vento sobre a linha tensa e quase reta, esmedida com alerta para não dar barriga e responder prontamente aos comandos manuais. Cuida menino, que essa linha é o umbilical ligamento com a vida, e a pipa de seda o futuro que delavante toca o pingar das nuvens beiradas. batida do vento. coração. pulsação. calmaria. pulsação. calmaria. Agosto é vento. batida sincopada, tarde inteirinha e chuva que se avizinha. mas ainda tá longe. dá linha, dá linha, dá linha, até perder de vista. mas ela ainda tá lá. não dá pra ver mais. mas ela tá lá. eu sinto que tá. como pescador que não vê além da superfície do mar aonde lançou sua linha, mas sabe que tem peixe rondando a isca, enquanto o anzol flutua. sente quando fisga. o vento suga. a pipa vai, e estabiliza no paravento. peito brilhoso de seda, esqueletos bambus precisos e leves. rabiola de sustentação e controle. céu colorido de seda.
Súbito, delavêm as do morro vizinho. Nós aparamos daqui, com sorte. Se o vento mudar, atacamos primeiro, e eles aparam de lá. Pipas lançadas, velas diminuindo ao longe, nos pontilhados de tinta impressionista sobre o céu de Cerol, se tem coragem. Sem Cerol, se falta coragem ou as mães proíbem. As mães sempre proíbem desde que Joninha quase morreu ano passado por conta de um pescoço quase decepado. Benza Deus, Joninha tá vivo ainda mas não solta mais pipa e o cerol foi cassado de vez. Melhor assim. Ainda dá pra cruzar na habilidade e leva a melhor quem for o melhor. Marquito é rei no terreirão de chão batido na poeira. Pipa de peito cruzado no alto, alteando cada vez mais até estacionar rum pontinho perdido, longe das vistas, apenas sentida pela tração na linha. Ela parece parada, tem vez. Estudando os estáveis do ar. Dois carretéis de Linha Dez emendados, a pipa ganha distância e some no espaço. Barriga pela distância, ela responde lenta aos comandos. Chama atenção pela beleza, envergadura e pelo longe até onde vai, e logo caem em cima os despeitados desafiantes do morro de frente, questionando o ar imperial daquela ousadia. Vem verde riscada de lá, morro à direita, Marquito debica à esquerda, fugindo quando quer, e ninguém o alcança. Recolhe linha velozmente na manivela, e já está mais próximo e controlável. Surge vermelha maior à esquerda, encostando no lado contrário por um capricho de vento que muda a direção sem aviso.
Agosto é assim. (O mês dos ventos, quem solta pipa sabe). Marquito é o rei e debica novamente, à direita, fazendo rápido o conhecido movimento do "Z", pra fazê-la dançar e depois derriçando direto numa puxada única, de mão a mão, deixando carretel solto, jogado sobre o chão, e andando metros atrás, incansável sobre o terreirão. Em uma fração de segundo, a pipa, antes a dois mil pés de altura, agora ali pertinho, quase tocável com as mãos, encostando a rabiola sobre as cruzes e catacumbas do cemitério velho. O toque das mãos sobre a seda, no reconhecimento do dono a seu filhote. A Pipa quando volta lá de cima, nunca é igual mais. Está encantada. é outra porque destemeu o mundo. Sobe novamente, vento no peito, é só puxar forte e depois dar linha duas ou três vezes, o papel de seda fazendo aquele barulho de garganta seca bebendo vento no engasgo e ela logo está de novo no lugar mais alto, ágil e corisco buscando o desafiante que agora partira em retirada , acuado pelo vento contrário. Marquito dá linha, e sente o momento favorável, mergulhando sobre a cauda do oponente, e seus cautelosos dez metros de cerol clandestino depois do cabresto são mais que suficientes para cortar qualquer coisa que ali encoste, sai cortando e aparando o adversário, que pula e grita inconsolável lá do outro morro, donde só vemos as figurinhas formigáveis e agitadas.
Com ou sem os espinhos cortantes de cola-de-boi com limalha de metal ou pó de vidro, elas voam ao embate, peito à mostra numa coleção de cores, caleidoscópios de papel ao reflexo do sol. Plural de confetes coloridos em pontos luminosos sob o teto azul claro espirrado de cirros. Nós, impávidos no cháo, e o sol seco de agosto agasalhando aquelas almas coloridas. Não se sabe o que o sol vê, mas se percebe que ele fica mais feliz nos dias de pipa no ar. Entre nós e o sol, esses mosaicos translúcidos borboletas de todos os tamanhos, todas as cores, todas as técnicas para os infinitivos de confeccionar, empinar, debicar, cortar, cruzar, aparar, e quase sempre chorar quando se perde a pipa mais perfeita pra algum predador do outro lado do morro.
Pipa que se perde é como filho partindo no mundo. Aquela preciosidade duramente trabalhada durante dois dias eternos, agora descendo lentamente a esmo cortada. Quando caem, a meninada corre logo atrás, no resgate. Uma olimpíada de obstáculos e méritos próprios dos recolhedores de pipa, que sabem o preço do seu prêmio.
Pipas perdidas em árvores, em fiação, em telhados inacessíveis de casa. Todas são resgatadas como a própria vida que chama. Capturadas já quase sem vida, sem linha e sem dono, é de quem pegar. tá certo. Quem pega admira, aquele pássaro na gaiola, repara a arte, observa o feitio que tanto revela do seu criador. Uma vez cortadas, se soltam, toando na descida uma canção desamparada, como uma cabeça pendendo torta do pescoço num corpo abatido pela guerra, descendo rota até o chão, enquanto dança e exibe o rosto à direita e à esquerda, dizendo um não continuado até o chão. Destino de pipa quando cai é só o corpo, porque seu espírito já se amalgamou para sempre ao espaço, e de lá, ele não volta nunca mais.