Memórias da pele
E seu hálito doce me dizia mais sobre as chances de felicidade no mundo do que qualquer reza que alguém julgasse possível. Sua boca desenhada por esses fugazes lápis vermelhos de Deus, sussurrando ao meu ouvido as obscenidades que ainda me mantinham vivo até aquele momento, enquanto eu derretia meus propósitos, suado e amarrado entre suas pernas.
O mundo exterior, se existia, não era mais do que a tênue percepção dos reflexos de um sol refratário na sombra das persianas, enquanto ficávamos o dia inteiro na cama.
O tempo, se havia, era só o intervalo entre a abertura da porta da geladeira para mais vinho na taça, ou meio sanduíche de atum, divididos sem cálculo entre uma ida ou outra ao lavabo. Televisão sem som na sala. Tempo horizontal, eternizado em cada instante de preguiça perfeita porque plena, sem desculpas. No mais, tempo era espaço, tempo tornado intensidade pelo movimento, tempo degustação e tato no banquete corporal, tempo barulhos sensuais , reclamado por excesso uma ou outra vez por vizinhos mal resolvidos no assunto. Tempo intensidade que prescinde de duração.
O tempo, se havia, era só o intervalo entre a abertura da porta da geladeira para mais vinho na taça, ou meio sanduíche de atum, divididos sem cálculo entre uma ida ou outra ao lavabo. Televisão sem som na sala. Tempo horizontal, eternizado em cada instante de preguiça perfeita porque plena, sem desculpas. No mais, tempo era espaço, tempo tornado intensidade pelo movimento, tempo degustação e tato no banquete corporal, tempo barulhos sensuais , reclamado por excesso uma ou outra vez por vizinhos mal resolvidos no assunto. Tempo intensidade que prescinde de duração.
Durou o que tinha que durar. nem mais nem menos. o que ficou foi só uma melancolia que me aquece por dentro nas noites de inverno quando estou sozinho, e também aquela mania besta de achar que tudo que é perfeito poderia perdurar.
Passados tantos anos, tomo esse capuccino no final de uma tarde fria sobre a metrópole, e contemplo silenciosamente outras mulheres, de todos os perfis, de todas as sinas, cada uma com sua beleza ao mesmo tempo particular e universal. Única, porque não há outra igual a esta e, ao mesmo tempo múltipla, porque esse estado de ser belo e ser mulher certamente pertence a uma ordem superior do mundo, que torna a vida algo melhor de ser vivido.
Vejo essas mulheres vestidas de todas as cores, e me divirto ao surpreendê-las, atarantadas, falando ao celular com desenvoltura e convicção, ou passeando com bolsas no ombro e olhando vitrines. Sentadas nas pracinhas de shoppings folheando uma revista ou apressadamente, a caminho de algum lugar importante. Penso na veracidade ou necessidade de tão alardeadas virtudes, tão teatrais atitudes, mas continuo sofrendo no fundo, porque o que procuro mesmo é achar você entre elas.