Ensaio sobre o gênero Ensaio
Fã absoluto do gênero desde que tive a sorte e o grande privilégio de ter em mãos os "Ensaios", de Montaigne, na minha singela opinião é justamente neste gênero onde, talvez com maior liberdade, o espírito humano conseguiu alçar seus vôos mais altos. Não é à toa que dentre os autores que mais admiro, boa parte pode ser considerada ensaísta, uma vez que sua linguagem e sobretudo a "forma" que adotaram para se expressar não seguiu necessariamente, de um lado, a extrema subjetividade da linguagem poética nem seguiram , de outro, a suposta objetividade da linguagem científica ou, por aproximação, filosófica, de articulação lógica e analítica.
Sim, porque ressalvado o poder criativo da poesia, que por sua magnitude não encontra paralelo em nenhuma outra forma de escrita em razão da sua origem musical, seus interditos, das elipses, metáforas, dos não-ditos, dos seus silêncios e dos espaços infinitos de subjetividade que lhe conferem esse status, e ressalvada ainda a articulação normativa e lógica que rege as formas de prosa tradicionais de nossa cultura ocidental deste Aristóteles (deixem Platão de lado, porque aí já é outra história),é na superação desses dois momentos, um de extrema subjetividade que caracteriza a "poiesis", e o outro, supostamente calcado um pouco mais na tal objetividade, mais cartesiano, com maior fundo lógico e racional , que domina o conhecimento científico propriamente dito e boa parte do conhecimento filosófico, é no Ensaio onde tais elementos finalmente não estão em guerra permanente, mas encontram uma espécie de meio-termo saudável e até mesmo desejável para que o pensamento não seja tolhido por qualquer aresta.
Embora com estilos variados e com inúmeros temas abordados tantos quantos são os diversos ensaistas surgidos desde que o gênero despontou assim, já nessa sua forma moderna, com o grande mestre Montaigne, pode-se dizer que as características especiais da prosa utilizada por cada um é que vai definir a essência do seu estilo. Sim, porque até mesmo pela proposta não-acadêmica da maior parte do que se denomina por Ensaio, tal "espaço do exercício do pensamento" jamais quer ser diminuído em suas possibilidades simplesmente por uma questão de rótulo. No ensaio, diferentemente das formas de poesia ou prosa, não é o gênero que determina a forma, é o próprio Ensaio que já é a forma a que se propõe, na medida em que cursivamente vai estabelecendo ligações entre os objetos costurados por quem se dedica a explanar sobre tal ou qual ponto de vista, sem delimitar com um rigor excessivo, quase positivista, os termos do que está sendo articulado em uma idéia que se expõe.
Daí o ensaio,da forma como o vejo aqui, por não ser bem poema nem propriamente "Literatura' de um lado, e por outro por não ser bem prosa científica dissertativa ou "ciência" de outro lado , seria por isso mesmo, menor ou menos digno, ou quem sabe de leitura menos atraente do que seus pares? Não, porque é justamente o contrário que ocorre. É no Ensaio que o autor pode lidar com os elementos que lidam com a estética do texto e lhe conferem beleza, à moda da poiesis típica do pensamento literário(ainda que ele use regularmente prosa e não versos para explanação) e também pode usar todos os referenciais históricos ou científicos até os limites da racionalidade sem se aprisionar aos critérios aprisionantes das metodologias centíficas próprias , e sem que isso implique em avaliação negativa dos seus propósitos.
O filósofo Theodor Adorno qualifica muito bem essa abordagem rica sobre a possibilidade , quando no texto "O Ensaio Como Forma"...
(continua)