"Exploradores do abismo" (Vila-Matas)
"Exploradores do abismo". Beleza de livro. Vila-Matas, mais conhecido pelas narrativas longas, agora enveredando pelos contos em instigante pegada existencial. O exercício de textos com uma perspectiva autointitulada (ou autonegada) "cubista", que insere com muito mais força o local de observação e de experiência do vivente sob parâmetros que se propõem diversos do olhar clássico (por natureza um olhar mais estanque) às vezes claramente identificáveis, às vezes subentendidos, dentro de referências fluidas cujas chaves caberá ao leitor aceitar ou não, conforme o caso.
Tudo isso enquanto uma certa idéia de saúde ou ausência dela permeia os textos, com uma referência explícita à sua origem Kafkiana, criando uma possível linha geral de apreensão da experiência vivida (narrada), ou ao contrário, quem sabe, separando-nos de vez, enquanto leitores, de qualquer "raciocinio universal válido", ao demonstrar que é muito mais plausível que uma realidade não possa ser comparada, substituída ou reduzida a outra.
Para nós, cartesianos, é sempre uma tentação imaginar diversos contextos diferentes, cada um com seu relevo próprio, e ao final, tentar mecanicamente "reduzir" isso, a experiência única de cada lugar, olhar, plataforma geográfica (geovívida?) a algum tipo de plano compreensível, a velha busca platônica da essência, algo inequivocamene matador das particularidades em benefício de um tipo qualquer de universalismo.
"Exploradores do abismo" parece reforçar uma vez mais que essa via pode ser um grande erro, e que apesar de ainda existirem ao menos na nossa imaginação as linhas que tudo permeiam e expurgam toda a diferença para reagrupar nossa percepção em torno de uma semelhança, princípio básico da filosofia ocidental, a realidade continua sendo coisa muito mais incontrolável , única, rica e a bem dizer, incapaz de ser medida em sua intensidade, porque composta de seres, objetos e um mundo em eterna revolução, que não se dobra a conceitos.