Postagens

Mostrando postagens de outubro, 2017

O DOMADOR DE VENTOS (Ensaio do vôo enquanto coisa)

Imagem
Tarde vento, sol a pino. o elo: a seda , a cola e um menino. entre o morro e o mundo a contemplar pipas, alinhar vidas e sustentar o vôo em suas asas translúcidas num céu seco e azul de pura ventania. enquanto pequenos curumins inexperientes na arte de planar quedavam-se na beirada do campo para apreciação, os grandes pilotos se aprontavam para seus duelos. os menores, arriscando em jerecos feitos de papel comum de página de caderno ou papel de pão. levantados ao baixo do ar com muita corrida, poeira e pouca linha improvisada de costura: fina, imperfeita, linha rompedeira. os maiores, galopando ansiosos o início do esperado mês de agosto, meninada correndo em alvoroço, torvelinho se aventando no antigo campo de aviação. no lugar já não subia nem descia avião, mas era o aeroporto natural das pipas e a casa do vento.... agosto! agosto! Tarde de agosto, pacto  não escrito pela confraria do ar: agosto não tinha pelada a tarde inteira, o espaço do campinho ficava tomado por carretéis

O PAI DO MEU AMIGO ERA UM ESPIÃO

Imagem
                      Quando completamos dez anos de idade, junto com toda a sabedoria do mundo, ganhamos ainda uma espécie de sexto sentido, uma antena parabólica mais aguçada e perspicaz, que consegue intuir as verdades das coisas ainda não acontecidas. E aquela verdade foi aos poucos se revelando, à medida em que entrávamos e saíamos da casa do nosso querido amigo A, depois das sofridas e  intermináveis sessões das aulas de quinta série. Estávamos nos idos de setenta e qualquer coisa, pleno auge da famigerada ditadura militar que assolaria o país durante mais de vinte anos. Numa época onde as expressões “sete de setembro”, “patriota” e “nacionalista” garantiam o brilho de qualquer caráter e uma boa reputação, e em contrapartida, os termos “comunista”,  “hippie” e “ter idéias próprias” eram terminantemente proibidas para crianças desde o nascer ao por-do-sol, dentro do espaço que compreendíamos como “rua”e é claro, depois do pôr-do-sol também, até o nascer do sol no dia seguin

A INVASÃO

Imagem
                     No começo, ninguém desconfiava de nada. Elas vieram assim, sorrateiras, esgueirando-se por pequenas frestas, povoando nichos de sofás, camas, forros de geladeiras e armários de roupas e sapatos. Com presenças mais discretas e silenciosas durante as estações mais frias, tornavam-se contudo explícitas e corajosas nos dias quentes, anunciando uma nova ordem de terror. Em algumas épocas, tudo silenciava, e inusitadamente passávamos alguns incríveis dias de paz. Mas no decorrer de dois ou três meses,  logo estavam novamente em toda parte, multiplicadas como se durante o suposto período de hibernação tivessem não apenas acumulado força e estratégia, mas também copulado compulsivamente e se reproduzido em batalhões à exaustão durante cada precioso segundo de tempo disponível, dada a quantidade assustadora que a cada ano  só aumentava. Minha mãe se estressava com aquelas criaturas mais do que com qualquer outro tipo de problema em casa. Não tinha questão com vizinh