Shape of water



(tem spoiler)

Com globo de ouro de direção e treze indicações ao Oscar, vem aí "A forma da água". Não assisti ainda aos concorrentes, mas tô achando difícil levar o Oscar de melhor filme. Mesmo sendo um cineasta bastante irregular, é devido todo o respeito ao mexicano Guillermo del Toro, o cara que realizou  bons filmes como "Hellboy", a franquia "O Hobbit", e o fantástico  "O labirinto do fauno", um dos melhores filmes já produzidos, que ambienta fantasia e realidade histórica com uma poesia impactante, nos bastidores da guerra civil espanhola. Contudo, ao dar novamente asas à fantasia em "Shape of water", a fábula não disse a que veio. Há alguns flashes de poesia aqui e ali, e o trabalho dos (bons) atores não e´de se desperdiçar, assim como a  bela fotografia que não decepciona, mas vamos logo na jugular: que puta história fraca!  E isso não tem relação com o fato de se transitar no terreno da fantasia.  Há belíssimas obras do cinema nesse gênero , e Del Toro também é bom nisso, mas parece que o roteiro é que não ajuda. Apenas como comparação, recentemente surgiram dois grandes filmes nesse segmento, como "O Conto dos Contos" (2015), do italiano Matteo Garrone, e "Sete Minutos depois da Meia-noite" (2017), do espanhol Juan Antònio Bayona. Ambos muito bem realizados, por sinal.

"Shape of water" não navega no território delirante e onírico das fábulas, mas pretende misturar realidade com fantasia científica e contextualização política e histórica. Parece que se embaraça com seu desenvolvimento em dois campos, fazendo com que um sufoque o outro. Um, de fundo minimalista, tema principal, a história de amor entre uma mulher (muda) e uma criatura do mar, que também não conhece a linguagem humana. A bela metáfora que sugere a valorização de outras linguagens no amor, que não necessariamente a fala, a palavra. E o outro, como pano de fundo, o contexto da guerra fria nos Estados Unidos, uma vez que a tal criatura marinha é também uma espécie de segredo militar americano, potencialmente podendo ser usado na luta contra os inimigos comunistas do outro lado do mundo.

Às vezes a questão de uma experimentação estética qualquer não é tanto "sobre o que" se fala, mas sim "a forma com que " se fala. Neste caso, o tema análogo que permeia o nosso inconsciente cinéfilo é a velha história da Bela e a Fera, tão conhecida e que já rendeu tantos filmes, mas aqui se perde em estereótipos e lugar-comum desde o início. A história mínima, do relacionamento entre a moça tímida e a besta marinha,  independentemente das chances de sucesso, quer buscar um espaço que o resto do filme não permite.  Primeiro, ao tentar recriar o ambiente dos Estados Unidos nos anos cinquenta, em plena guerra fria, o que daria margem a um bom clima de "espionagem", mas apesar da montagem cênica ser executada com esmero, tudo fica muito fraco no andamento. Não há suspense real, como aquela tensão tão conhecida que povoava o período, ressaltando-se que  a interação entre agentes do governo americano, possuidores de uma "criatura" prisioneira e a espionagem da URSS infiltrada, que pretende saber qual é o grande segredo dos rivais, imaginando se tratar de uma arma atômica, é bem amadora. Depois, porque o filme tenta evoluir para um clima "noir" que definitivamente não funciona, terminando por seguir cena por cena a previsibilidade mais batida.

O inferno da expectativa e da frustração, quem sabe? Não é a primeira vez e nem será a última em que isso ocorre na telona. Difícil julgar um artista com senso apropriado de justiça depois de ele ter feito uma grande obra. Há uma tendência de que nossos olhos o tornem pequeno diante do passado já efetivado. Mas mesmo tentando ser mais imparcial, quem já assistiu ao Labirinto do Fauno, sabe como é. Ali, tudo se junta, desde a trilha sonora ao enredo, do elenco à fotografia, reforçado pelo sinistro relevo histórico que perpassa toda a história, tudo para formar uma perfeita orquestração.

Neste caso, em particular, nem dá pra culpar o diretor por tudo porque não é uma questão de direção de atores, critério onde Del Toro sempre parece ir bem, mas de texto, de narrativa. Fazer o que? sorte dele que ganhou Globo de Ouro de melhor diretor e várias indicações para o maior prêmio do cinema, mês que vem. Ressalte-se o mérito para a evolução da história apenas na imagética como narrativa, pela  ótima fotografia e concepção das cenas subaquáticas, como na bela abertura e na cena do apartamento, quando o banheiro é transformado em "cela de água" para que os dois mundos se unam. Fora isso, tirando Michael Shannon , um bom ator, mas em atuação mecânica e novamente no papel de vilão sádico, fica o destaque apenas para o ótimo Richard Jenkins  e a mocinha (muda) interpretada pela britânica Sally Hawkins, em grande atuação. Os dois , certamente e com justiça, candidatos ao prêmio de ator.

Depois de tudo, ficou  a sensação  de que o filme poderia ter ido mais longe. Se é um filme bonito pela narrativa visual, o roteiro, por sua vez, não faz jus às imagens. Não há a finalização pelo caminho ilimitado que permite a fantasia, e nem existe a concretização da dureza da vida real, que normalmente oferece resistência a qualquer veia onírica, portanto não segue por uma linha nem outra. A resposta talvez estivesse, como foi dito acima, na razão de que qualquer história de amor termina invariavelmente em clichê?