A nobreza do poema: a busca de uma beleza sem afetação

PATERSON
do Livro I

Prefácio

"O rigor da beleza é o alvo da busca. Mas como se poderá encontrar a beleza se ela está encerrada na mente, para além de toda admoestação?"

     Compor um começo
     com particularidades
     e torná-las gerais, arrolando
     a soma, por meios imperfeitos -
     Farejando as árvores,
     um cão qualquer
     num bando de cães. O que
     mais ali? E que fazer?
     Os outros debandaram -
     atrás de coelhos.
     Só o estropiado permanece - sobre
     três pernas. Coça-te adiante e atrás.
     Engana e come. Desenterra
     um osso embolorado

Pois o princípio indubitavelmente é
o fim - já que de nada sabemos, puro
e simples, para além
de nossas próprias complexidades.

                              E no entanto
não há nenhum retorno: rolando para fora do caos,
prodígio de nove meses, a cidade
o homem, uma identidade - e nunca poderia
ser de outra maneira - uma
interpenetração, em ambos os sentidos. Rolando
para fora! obverso, reverso;
o bêbado o sóbrio; o renomado
o grosseiro; um só. Na ignorância


um certo saber , saber
não-disperso, seu próprio desbarato.

                                 (A múltipla semente,
apinhada de detalhes, azedada,
fica perdida no fluxo e a mente,
distraída, vai-se flutuando com a mesma
escuma)

A rolar, a rolar prenhe de
números.

                     É o sol ignorante
erguendo-se no rastro de
erguidos sóis vazios, pelo que neste mundo
jamais um homem poderá viver a gosto no seu corpo
a não ser morrendo - e sem saber-se
morrendo; este no entanto é o
desígnio. Renova-se a si mesmo .
de tal modo, em soma e subtração,
andando para cima e para baixo.

            e o ofício,
subvertido pelo pensamento, a rolar para fora, cuide-se
ele de não se voltar tão-só para a
escrita de poemas estagnados...
Mentes como camas sempre feitas,
                          (mais pedregosas que uma praia)
relutantes ou incompetentes.

                              A rolar, o topo para cima,
sob, empuxo e retrocesso, um grande estardalhaço:
alçado feito ar, transportado, multicolorido, um
detrito dos mares -
da matemática a particularidades -
                                 dividido como as orvalhadas
neblinas flutuantes, que as chuvas vão lavar e
recongregar num rio, um rio que corre
e que dá voltas:

                                conchas e animálculos
geralmente, e assim até ao homem,                             

                                 até Paterson.


 trad. José Paulo Paes, do livro "Poemas" de William Carlos Williams. Companhia das Letras. 1987)