Civilização

Já estava escrito
para toda asa que quiseres
em tuas costas
sentirás cada vez mais o peso
nos teus pés de chumbo

Para todo conforto
que desejares
em tuas contas
(ou pior: )para todo elástico
que catapulta a cada ciclo
uma nova data para o fim do mês

Doarás a cada vez
um pouco mais do teu precioso sangue
à sedenta goela
que nunca se sacia

Para todo prazer
que descobrires inocente no teu
tão lúdico e belo corpo
tuas mãos experimentarão
algemas, serás interditado
a meio caminho do autoconhecimento
e chamarão de verdade
a essa nova moral alijante
que possuirá vários nomes

No necessário caminho de si
que tem o condão de pocar
qualquer grilhão
levarás uma coronhada na boca
a correia amarga da força
no catre, na maca, no escuro

E sempre do lugar
de onde menos esperas
para toda a alegria ambígua
que suspeitas quando sentes
a lucidez do juízo pouco
contemplando a alegria dos loucos
a se dissiparem sorrateiramente

Para longe do mundo que mói
para fora da roda que rói
tão tesa, tão apressada
Serás subitamente chamado
à cova das razões
e negarás por três vezes
todas as belas maldições que vivestes
Todos os seus delírios mais
santificados

Até que tu mesmo sejas, enfim
recuperado, rebatizado, readaptado
à matéria da própria engrenagem
que se desgasta por tanto haver rodado
mas se salva por ter matéria nova
tornastes, tu mesmo, sem querer
o próprio motor que a reproduz sem cessar

Nos modos, nas falas, nos sentires
e não apenas seu combustível
mas seu mecanismo mais pungente
de carne, gordura e ossos
tornastes a ti mesmo, sem jamais o desejar
o mais novo elo
                                                   
a reforçar a corrente